O VÍRUS
Um dia veio um vírus...
E ele se alojou no coração do humano. E quando ele penetrou em nosso sangue, nos fez ver tudo aquilo que era diferente de nós como oposição.
E o vírus nos dividiu em gêneros, e o homem viu na mulher o seu problema. E a mulher viu no homem o seu algoz.
E o vírus nos dividiu em raças e o homem passou a julgar o homem pela cor de sua pele.
E o vírus nos dividiu em classes, o pobre viu no rico a causa de sua pobreza e o rico viu o pobre com sendo inferior.
E o vírus nos dividiu em ideologias políticas, os membros de um mesmo povo passaram a se odiar em nome de um símbolo, uma causa, uma bandeira, uma política.
E o vírus feio e turvo que se alojava no coração do homem, nos fez ver a natureza como bem de consumo.
E o homem começou a rasgar as florestas, contaminou o ar em nome do progresso e poluiu os mares indiscriminadamente.
E o vírus nos fez vaidosos, consumistas, acumuladores de coisas, de plásticos, de lixo.
E o vírus nos fez adoradores da solidão, dos amores virtuais, das guerras virtuais. E o vírus feio e turvo no coração do homem nos fez egoístas.
E o vírus nos fez radicais, e o ódio se alastrou em nome de Deus, em nome das instituições religiosas e o homem, assim como um Caim arquetípico, se ergueu para matar seu próprio irmão.
Mas ainda existiam alguns...
Alguns que mereciam a possibilidade de um novo mundo.
Um novo mundo que precisaria nascer.
E foi aí que veio um novo vírus...
E ele nos fez olhar para a face de quem está ao nosso lado.
E ele nos fez valorizar o mundo lá fora.
Um vírus simples, fez as potências se curvarem.
Mostrou a arrogância do humano.
A insanidade de nossas divisões.
O novo vírus nos mostrou que as fronteiras não existem, que o ar é um só.
Nos mostrou que os sistemas são falhos, as ideologias são cegas e o homem havia sido inebriado por sua arrogância.
E o vírus nos colocou em nossas casas e nos fez dar valor ao abraço, ao toque, aos encontros com os amigos.
E o novo vírus nos trouxe um dilema entre a vida e o velho mundo, que já estava doente.
E o novo vírus nos trouxe a esperança de poder recomeçar.
E o céu ficou limpo, e as águas ficaram claras e os rios voltaram a ter peixes.
E na clara manifestação da ironia da existência aquilo que parecia uma nova doença, se tornou cura.
E o vírus simples, frágil e insignificante nos deu a possibilidade de um novo gênesis.
E nos fez mudar para sempre.
(Mario Meir)