13 de abr. de 2020


O VÍRUS

Um dia veio um vírus...

E ele se alojou no coração do humano. E quando ele penetrou em nosso sangue, nos fez ver tudo aquilo que era diferente de nós como oposição.

E o vírus nos dividiu em gêneros, e o homem viu na mulher o seu problema. E a mulher viu no homem o seu algoz.

E o vírus nos dividiu em raças e o homem passou a julgar o homem pela cor de sua pele.

E o vírus nos dividiu em classes, o pobre viu no rico a causa de sua pobreza e o rico viu o pobre com sendo inferior.

E o vírus nos dividiu em ideologias políticas, os membros de um mesmo povo passaram a se odiar em nome de um símbolo, uma causa, uma bandeira, uma política.

E o vírus feio e turvo que se alojava no coração do homem, nos fez ver a natureza como bem de consumo.

E o homem começou a rasgar as florestas, contaminou o ar em nome do progresso e poluiu os mares indiscriminadamente.

E o vírus nos fez vaidosos, consumistas, acumuladores de coisas, de plásticos, de lixo.

E o vírus nos fez adoradores da solidão, dos amores virtuais, das guerras virtuais. E o vírus feio e turvo no coração do homem nos fez egoístas.

E o vírus nos fez radicais, e o ódio se alastrou em nome de Deus, em nome das instituições religiosas e o homem, assim como um Caim arquetípico, se ergueu para matar seu próprio irmão.

Mas ainda existiam alguns...

Alguns que mereciam a possibilidade de um novo mundo.

Um novo mundo que precisaria nascer.

E foi aí que veio um novo vírus...

E ele nos fez olhar para a face de quem está ao nosso lado.

E ele nos fez valorizar o mundo lá fora.

Um vírus simples, fez as potências se curvarem.

Mostrou a arrogância do humano.

A insanidade de nossas divisões.

O novo vírus nos mostrou que as fronteiras não existem, que o ar é um só.

Nos mostrou que os sistemas são falhos, as ideologias são cegas e o homem havia sido inebriado por sua arrogância.

E o vírus nos colocou em nossas casas e nos fez dar valor ao abraço, ao toque, aos encontros com os amigos.

E o novo vírus nos trouxe um dilema entre a vida e o velho mundo, que já estava doente.

E o novo vírus nos trouxe a esperança de poder recomeçar.

E o céu ficou limpo, e as águas ficaram claras e os rios voltaram a ter peixes.

E na clara manifestação da ironia da existência aquilo que parecia uma nova doença, se tornou cura.

E o vírus simples, frágil e insignificante nos deu a possibilidade de um novo gênesis.

E nos fez mudar para sempre.

(Mario Meir)