Um dos maiores desafios lançados à política orientada pela ética e ao modo-de-ser-cuidado é indubitavelmente o dos milhões e milhões de pobres, oprimidos e excluídos de nossa sociedade. Esse antifenômeno resulta de formas altamente injustas da organização social, hoje mundialmente integrada. Com efeito, graças aos avanços tecnológicos, nas últimas décadas verificou-se um crescimento fantástico na produção de serviços e bens materiais, entretanto, desumanamente distribuídos, fazendo com que 2/3 da humanidade viva em grande pobreza. Nada agride mais o modo-de-ser-cuidado do que a crueldade para com os próprios semelhantes.
Como tratar esses condenados e ofendidos da Terra? A resposta a esta pergunta divide, de cima a baixo, as políticas públicas, as tradições humanísticas, as religiões e as igrejas cristãs. Cresce mais e na convicção de que as estratégias meramente assistencialistas e paternalistas não resolvem, como nunca resolveram os problemas dos pobres e dos excluídos. Antes, perpetua-os, pois os mantêm na condição de dependentes e de esmoleres, humilhando-os pelo reconhecimento de sua força de transformação da sociedade.
A libertação dos oprimidos deverá provir deles mesmos, na medida em que se conscientizam da injustiça de sua situação, se organizam entre si e começam com práticas que visam transformar estruturalmente as relações sociais iníquas. A opção pelos pobres contra a sua pobreza, e em favor de sua vida e liberdade constituiu e ainda constitui a maioria registrada dos grupos sociais e das igrejas que se puseram à escuta do grito dos empobrecidos que podem ser tanto os trabalhadores explorados, os indígenas e negros discriminados, quanto as mulheres oprimidas e as minorias marginalizadas, como os portadores do vírus da Aids ou de qualquer outra deficiência. Não são poucos aqueles que não sendo oprimidos, se fizeram aliados dos oprimidos, para junto com eles e na perspectiva deles empenhar-se por transformações sociais profundas.
O compromisso dos oprimidos e de seus aliados por um novo tipo de sociedade, na qual se supera a exploração do ser humano e a espoliação da Terra, revela a força política da dimensão-cuidado. Qual é o móvel último subjacente aos movimentos dos sem-terra, dos sem-teto, dos privados de direitos sociais, dos meninos e meninas de rua, dos idosos, dos povos da floresta, entre outros, senão com a vida humana? É o cuidado e o enternecimento pela inalienável dignidade da vida, que move as pessoas e os movimentos a protestar, a resistir e a mobilizar-se para mudar a história. Os profetas antigos e modernos nos mostram a coexistência destas duas atitudes presentes no cuidado político: a dureza na denúncia dos opressores e o enternecimento no consolo das vítimas.
Não tem cuidado com os empobrecidos e excluídos quem não os ama concretamente e não se arrisca por sua causa. A consolidação de uma sociedade mundial globalizada e o surgimento de paradigma civilizacional passa pelo cuidado com o marginalizados e excluídos. Se seus problemas não forem equacionados permaneceremos ainda na pré-história. Poderemos ter inaugurado o novo milênio, mas não a nova civilização e a era de paz eterna com e todos os humanos, os seres da criação e o nosso esplêndido planeta.
do livro: Saber cuidar - Ética do humano - Leonardo Boff