VOU PASSAR. VAI PASSAR.
Vou passar.
E marcarei a História.
Daqui a mil anos
Falarão de mim.
Vou passar.
E, depois do meu rastro de destruição,
Os dos futuro tentarão entender
Como os primitivos de agora
Conseguiam viver de forma tão primitiva.
Vou passar.
Atingirei nobres e pobres
Derrubarei o rei e o peão
Que por fim entenderão:
Encerrado o jogo de xadrez da vida,
Terminam todos na mesma caixa.
Vou passar.
Após minha trágica trajetória,
Ficará claro que não dá para ser feliz
Cercado de infelizes.
Vou passar.
Muitos pisarão em pescoços
Para não perder seus anéis.
Muitos mais darão seus anéis
Para não perder os dedos
Ou o pescoço.
Vou passar.
Não pouparei nada nem ninguém:
Perdulários ou perdedores.
Usurários ou usados.
Ilhados ou empilhados.
Sultões ou insultados.
Vou passar.
E, olhando com atenção minha imagem,
Notarão que minha superfície
Parece a de um lugar árido,
A de um planeta cinza,
Exatamente como o lugar
Onde vivem.
Vou passar.
E muitos descobrirão que o caos
Não surgiu de uma hora para outra.
É fruto maduro de árvore milenar
Regada a ódio, sangue e indiferença.
Vou passar.
Deixarei a lição de que aqui
São todos inquilinos,
Não proprietários.
E que o despejo
Pode ser rápido.
Vou passar.
Para se proteger de mim,
Pais estarão longe
Quando filhos chegarem.
E filhos estarão longe
Quando pais partirem.
Vou passar.
Ai de quem não souber ler
Os novos tempos
Após a vasta devastação.
Terei pena - mas não misericórdia
Dos analfabetos emocionais.
Vou passar.
E será a tempestade perfeita.
E todos entenderão que
Quando chega o dilúvio
É bom ter a arca pronta
E um Noé no leme.
Vou passar.
E gente perceberá
Que tem dinheiro
Sem ter onde gastar.
Têm carros
Mas não têm onde ir.
E que é arriscado fazer piquenique
Na beira do abismo.
Vou passar
Dez mil cairão à sua esquerda
Dez mil cairão à sua direita.
Até você entender
Que estar de um lado ou de outro
Não lhe dá proteção alguma.
Vou passar.
E gente vai andar de um lado para outro
Em seus espaços pequenos
Como animais no zoológico.
Vou passar.
E alguns vão descobrir
Como é difícil viver ao lado deles,
Como eles próprios estão notando
Nesse encontro consigo mesmos.
Vou passar.
Quem viver,
Verá.
Meu nome é COVID.
Mas pode me chamar de Conflito na Vida.
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Vai passar
E marcarei a História.
Daqui a mil anos
Falarão de mim.
Vai passar.
E ficará claro
Que amor,
Muito além do sentir,
É agir.
Vai passar.
E o ar, os animais, os mares,
As florestas, o outro
Vão, finalmente, ser vistos.
Vai passar.
E jovens vão perceber
Que só podem dar frutos
Se cuidarem dos velhos, sua raiz.
Vai passar.
E as pessoas vão esquecer
Empresas que transformam
Tudo e todos
Em presas.
Vai passar.
E, finalmente, o sol da liberdade
Vai raiar sobre as pátrias, mães gentis
E sobre o mundo, pai acolhedor.
Vai passar.
E ninguém mais vai dar atenção
A quem pede sacrifício de outros
Sem também se sacrificar.
Aos que gritam:
"- Declaro a guerra - e vá!"
Vai passar.
E, olhando com atenção minha imagem,
Perceberão que minha superfície
Parece coberta por rosas.
Como o mundo do futuro o será.
Vai passar.
E se perceberá que dias úteis
Podem ser todos
E que há vida depois das seis
E depois da sexta.
Vai passar.
E o alimento será abundante
Também para a alma
Após todos descobrirem
Que o vazio interior
Ocupa um espaço imenso.
Vai passar.
E a dor do próximo
Vai doer em todos.
Porque todos somos um.
E a dor, assim compartilhada,
Será menor.
Vai passar.
E a alegria do próximo
Vai alegrar a todos.
Porque todos somos um.
E a alegria, assim compartilhada,
Será maior.
Vai passar.
E o silêncio
Terá valor.
E o silêncio
Será ouvido.
Vai passar.
E vai ser bom descobrir
Que ideias também
Têm prazo de validade.
Vai passar.
Porque desertos
São lugar
De passagem,
Não de permanência.
Vai passar.
E as máscaras,
Por fim,
Cairão.
Vai passar.
Quem viver,
Verá.
Meu nome é COVID.
Mas pode me chamar de Cooperação na Vida.
Você escolhe como prefere me chamar.
(Sérgio Becker)