(Swami Dayananda)
Olhar para si próprio, além de ser através de um espelho, não é
comum mas possível, quando feito com uma total imparcialidade.
Tal “olhar para si” carrega revelações muitas vezes assustadoras, mas frutíferas.
Cada um a seu modo esforça-se para provar a si mesmo e aos outros que é bom. Se alguém faz tal esforço é porque tem um valor para o que é considerado por ele bom comportamento. Na maneira de se comportar, em resposta aos diferentes acontecimentos e situações na vida, ele faz esforço para comportar-se como uma boa pessoa, pois sabe que a bondade recompensa.
Mas é ele realmente bom? Para sua satisfação ele pode ter passado por um bom homem. Todo criminoso, até que seja descoberto, faz a mesma coisa e, mesmo depois da prisão, tenta provar a existência de circunstâncias que o compeliram ao crime. E ainda continua a se esforçar para ser um bom homem. Mas, então, ele é bom?
Se um homem é bom, não deve haver esforço de sua parte para ser bom. Uma vida boa é espontânea para ele. É neste ponto que ele deve parar para olhar para si mesmo.
Bom, genial, homem respeitável, qualquer que seja seu caráter interior, ele precisa submetê-lo à consideração do mundo. Se ele atribui tão grande importância a uma vida boa e honesta, não é importante que tenha um olhar para dentro e descubra, para si mesmo, o que ele realmente é?
A questão “sou tão bom quanto gostaria de parecer” coloca-o num estado de espírito diferente. Ele agora começa uma vida verdadeira. Ele despertou! Desperto ele está para sua vida, até aqui superficial, mecânica e muitas vezes hipócrita.
Um detalhado olhar para dentro, sem arrependimento ou autopiedade, lhe oferece uma plataforma dentro de si mesmo, através da qual ele olha para o que ele mesmo tem sido. Com isto a velha plataforma de operação é abandonada e também tudo o que foi necessário para criar a vida superficial e falsa.
Ninguém é sincero com os outros se não for consigo mesmo. Porque tentar ser sincero, sem primeiro sê-lo interiormente? Olhe para si mesmo, por favor, é aí que começa a sinceridade, pois até para olhar para si mesmo precisa-se ser verdadeiro.
Nós já temos valor por uma vida sincera.
O problema de alguém ter de nos convencer do valor por uma vida sincera não existe. Sabemos seu valor, por isso exibimos uma fachada para passarmos por bons. Portanto, a única coisa que resta a ser feitos para ser bom é ter um profundo olhar para si mesmo.
Podemos descobrir que não temos sido sinceros. O que importa? O reconhecimento de termos sido falsos é necessário para sermos verdadeiros. No reconhecimento de termos sido falsos está o começo da vida sincera.
Portanto, não há razão para lamentação nem para condenar a si próprio. O reconhecimento de que somos falsos é para sermos sinceros com nós mesmos. Neste instante nos tornamos sinceros. Isto não requer nenhum conhecimento de nossa parte nem requer algum apoio externo. Somente um deliberado “olhar para si mesmo” o mudará, o transformará. Isto é possível, não é mesmo?
Buscando diversões em clubes, cinemas e na companhia de amigos, devemos reconhecer que estamos receosos de nós mesmos, amedrontados de estar com aquilo que hoje somos - vazios, inseguros, inadequados. Suponhamos que fôssemos plenos, seguros, adequados, nós estaríamos felizes com nós mesmos, não seríamos levados a buscar diversões. O que ganhamos em diversões não é nada mais que uma capa para encobrir a nós mesmos, para enganar-nos, pois encarar-nos significa convidar a tristeza e o desespero. Uma vez descoberta uma maneira para fugir de encararmos a nós mesmos, será difícil livrarmo-nos dela.
Os sistemas políticos atuais e as sociedades influenciadas por eles submetem-se a uma variedade de diversões em nome do “bem estar”.
As ocasiões para se estar consigo mesmo tornaram-se raras, pois as diversões são muitas. Vivendo em tal sociedade, o homem a despeito de toda a sua educação torna-se a cada dia que passa mais “escapista” do que antes. O conceito de sucesso na vida agora significa a capacidade de dirigir diversões. Os ricos e também aqueles que desejam riqueza, ambos procuram diversões. Os primeiros, as dispendiosas, os outros, as baratas.
Uma vida com uma organização menos artificial pode colocar o homem em seu próprio colo mais vezes do que ele poderia desejar e, nesses momentos solitários, ele pode descobrir mais sobre si mesmo. Isto não é possível nesta era de velocidade e interferência mútua. Mesmo no caso de se fugir para o campo, existe a probabilidade de tornar-se “louco” sentindo falta das diversões habituais. Parece não existir forma de escapar do “escapismo”.
Um apelo para voltar-se à religião pode soar como outro chamado para um diferente tipo de diversão. Peregrinações, sat-sangas, estudo de escrituras, preces, rituais, todos estes parecem oferecer as mais variadas fugas. É verdade que podem ser diversões.
O que é uma diversão? Diversão é alguma coisa que o ajuda a afastar-se de si mesmo, de sua não tão feliz pessoa. Uma religião organizada, centrada numa doutrina prometendo liberação depois da morte, só pode oferecer uma forma para escapar e, portanto, nela se pode, talvez, encontrar somente diversão. Mas, uma religião como é nossa tradição, cujo objetivo é o autoconhecimento, é algo diferente das religiões que são condenadas, talvez com razão por alguns psicólogos e dialéticos materialistas.
Se o autoconhecimento é o objetivo e a base da tradição hindu, os vários métodos de prática que ela oferece, incluindo o estudo das escrituras, volta o homem para dentro de si para reconhecer e alcançar o que essencialmente é. Na visão das escrituras hindus, o homem é essencialmente puro, divino, perfeito, pleno, seguro e seu objetivo é, portanto, fazê-lo reconhecer-se a si mesmo. Então, todas as práticas que elas oferecem não são diversões, pois levam o homem não para longe de si mas para si próprio.
No estudo das escrituras, buscamos o conhecimento do Eu. Nas preces, nós buscamos a nossa própria elevação. Nas peregrinações, buscamos a nossa própria companhia. Nos rituais, buscamos o nosso próprio exílio. Na meditação, buscamos a nossa própria dissolução e a descoberta de nós mesmos. Cada prática escolhida, com o conhecimento de seus objetivos e sua própria utilidade, nos colocará em condições de vivermos felizes com nós mesmos e depois na própria felicidade.
Isto não nos custa muito, como outras diversões, mas significa muito mais para nós. Seja o que for que fizermos, o retorno será infinitamente grande; o que somos agora não é uma barreira, mas exatamente o bastante para começarmos. A época, posição, lugar- nada isto bloqueia o caminho. Enquanto praticarmos, descobriremos uma duradoura emoção que nenhuma diversão pode oferecer.
Estamos nós propensos para tal empreendimento? Isto é possível, não é mesmo?
Palestra proferida nos anos 60