CHEGUE NA PAZ

12 de ago. de 2011

Mais um ano...

De repente, implacavelmente, o tempo arrancou as suas folhas,
a vertiginosa sucessão dos números.
Despenharam-se os relógios, as clepsidras, as varas do sol.

Gritei, contorci-me, explodi no ar como as canas de fogo.
Mas não havia cor.
As sombras, a sombra do mal, a sombra do medo, a sombra da nostalgia,
adensaram os contornos da minha vida.

Desejei morrer tantas vezes...
Viajei entre baldios, colhi plantas sem nome, quebrei os corais do último sonho,
debrucei-me em varandas que davam apenas para a cidade das trevas.

Bebi todos os vinhos, tudo o que nascia dos cactos, do absinto, das juníperas alucinadas, da cevada dos países frios.

Devorei palavras sem sentido, orações, rosários de pérolas negras,
liturgias que jamais responderam à extrema solidão do homem.

Abracei um corpo de inocência perdida e estremeci, e esse corpo estremeceu
na inquietude da minha vida desesperada.
Talvez fosse amor esse agitar de asas, esse brilho de lantejoulas enlouquecidas.
Não sei.

Havia uma praça onde os cães adormeciam, sem endereço, sem dono,
sem os antigos passeios pelos prados da alegria.
Aí estavas tu, josé, meu amigo de desumana voz, a guardar o meu sono,
a angústia das suas praias.

Mas não dizias nada.
Eras o único caminhante desses planetas para onde eu partia, sempre que Deus
me chamava, com a sua urgência inexplicável.

Penso sempre no seu trono de jóias raras, sob as árvores frondosas, e procuro
a sua mão sobre a minha fronte, sobre o meu pensamento de casas puras.

Já não tenho casa.
Fiz do desabrigo um imenso campo de anis e flores altas.
A minha cama é essa planície onde os animais se deitam, sem pensar em nada.
Por isso não quero a mentira dos povos, as estátuas de bronze, as armas brancas atrás das costas.

Quero um barco de papel, um espelho de água, um lago.
Mais nada.

José Agostinho Baptista