Ao reponte do sol que descamba, o dia se aprochega do arremate.
Pelos campos e nos matos da querência, o revoar da bicharada voltando aos ninhos...
É hora de recolhimento.
No rancho que há no interior de mim mesmo, eu, gaúcho de fé, me arrincono e medito.
Despindo o poncho da vaidade e do orgulho, tiro o chapéu, apago o pito e me achego pra uma prosa com o patrão maior.
Na sua presença, meu sangue quente de farrapo se faz manso caudal.
Entrego-lhe minha alma afoita de alcançar lonjuras e abrir cancha em busca do destino.
Renuncio à minha xucra rebeldia e me faço doce de boca e macio de tranco, pra dizer:
Gracias, patrão, por tudo que me deste!
Por esta querência, Senhor, que meus ancestrais regaram com seu sangue e que aprendi a amar desde piá...
Pelos meus parceiros desta ronda da vida, sempre de prontidão para me amadrinharem na campereada mais custosa ou para matearem comigo na hora do sossego.
Reparte com eles, patrão, esta fé que me deste e este orgulho pela minha querência.
Ajuda, patrão, a manter acesa esta chama.
Concede sempre ao gaúcho a força no braço e o tino pra saber o que é correto.
Dá-nos consciência para preservar a nossa cultura livre da invasão dos modismos.
Conserva a essência e a beleza da nossa tradição.
E, agora, com licença, patrão, que vou aproveitar a olada para um dedo de prosa com Nossa Senhora.
Ave Maria, primeira prenda do céu, contigo está o Senhor, na estância maior.
Tu és bendita entre todas as prendas, e bendito é o piá que trouxeste ao mundo: Jesus.
Maria, mãe de Deus e mãe de todos nós, roga pela querência e pelos gaudérios que aqui moram, nesta hora e no instante da última cavalgada.
Amém!
Odilon Ramos