CHEGUE NA PAZ

4 de mar. de 2016



Os Sonhos 


A interpretação onírica acompanha o homem desde a Antiguidade. Há uma necessidade e inquietação diante das imagens a, ao mesmo tempo, uma busca por explicação. Como os povos antigos compreendiam e interpretavam as imagens surgidas nos sonhos? Primeiramente, os sonhos eram interpretados como sendo produzidos por entidades invisíveis boas ou más, dependendo do sentimento que inspiravam. Os feiticeiros, pajés ou xamãs os interpretavam a nível individuais ou coletivo. 

Carl Gustav Jung (1875-1961) se refere aos "grandes sonhos" ou sonhos que tinham implicação direta na vida da comunidade. Geralmente, eram sonhados pelos chefes ou feiticeiros. Tanto na Antiguidade oriental quanto na clássica, os sonhos eram tidos como avisos dos deuses, havendo indivíduos e sacerdotes especializados em sua interpretação. A Bíblia registras exemplos de sonhos e suas interpretações, como o "Sonho do Faraó", interpretado por José. Na Grécia, existiam as curas através dos sonhos, cuja origem está no Egito. Essas curas eram exercidas em templos onde o deus Asclépio ou curava diretamente ou oferecia a cura através de símbolos que seus sacerdotes interpretavam. 

Freud venceu o preconceito científico que afirmava serem os sonhos nada mais do que "restos do dia", bem como a superstição que usava o sonho como fator de adivinhação. Seu livro A Interpretação dos Sonhos demonstrou que os sonhos nascem do inconsciente e têm sempre um significado para o sonhador, podendo ser usado para se entender suas neuroses. Freud criou um método de interpretação de acordo com as linhas básicas de sua teoria psicológica. Para ele, o sonho busca trazer à consciência os conteúdos reprimidos pelas atividades da "censura" interna, por serem dolorosos para o ego. Mas para que o sono seja preservado, a mesma censura distorce o drama onírico, fazendo aparecer como sem importância o fator mais importante, e que causaria sofrimento ao sonhador. Também postula que o sonho é uma realização de desejos. Infelizmente, hoje em dia, os psicanalistas (mais lacanianos do que freudianos) estão abandonando a interpretação dos sonhos. Como para Freud a energia psíquica, ou libido, era de origem sexual, os elementos que aparecem nos sonhos deveriam ser interpretados como simbolizando fatores sexuais. Para interpretar os sonhos, Freud desenvolveu os métodos da associação, ou seja, pedia-se ao sonhador para colocar o sonho ou partes dele na consciência, e deixar que aflorassem idéias a ele associadas, as quais conduziam aos complexos inconscientes do sonhador.

Carl Gustav Jung abordou os sonhos em seus estudos de forma bastante diferenciada da interpretada por Freud, Ele possibilitou a abertura de um novo campo de estudo para a ciência, que até vem os mistérios existentes nas camadas mais inconscientes. Poderia nos revelar diferenças entre essas duas interpretações e como essas duas correntes de pensamento têm auxiliado o ser humano a mais e melhor? 

Para Jung, o sonho não é realização de desejos, nem um produto criado por uma pretensa censura interna, mas um afloramento de complexos que aparecem na consciência como uma sucessão de símbolos, pois a forma de expressão do inconsciente é, normalmente, figurada. Para Jung, os sonhos são produzidos pelo arquétipo do self, o arquétipo da totalidade psíquica, e manifestam, em geral, uma tensão existente entre a consciência e o inconsciente. Jung não desenvolveu um método rígido, como Freud, para se interpretar o sonho, pois entendia que, sendo cada indivíduo uma singularidade, deve-se buscar compreender o sonho no contexto de vida do sonhador, sem qualquer preconceito científico. Verificou, também, que os complexos aparecem no sonho de diversas maneiras, e podem ser interpretados no significado simbólico de que se revestem. 

Como podemos entender os arquétipos, existentes tanto em sonhos como em visões, e que de mensagem eles nos trazem? Qual a ligação entre os conteúdos arquetípicos e os conteúdos de vidas passadas? Os arquétipos, como se sabe, são elementos do inconsciente coletivo – instância psíquica identificada por Jung em seus estudos da psique – e que se manifestam à consciência em forma de figuras mitológicas. Eles indicam ao ego o que deve ser modificado ou realizado para resolução de conflitos da personalidade ou crescimento espiritual do sonhador. Os arquétipos podem ser interpretados como elementos que foram embutidos no "princípio inteligente" pelo ato criador de Deus e que provêm do desenvolvimento do ser espiritual. Assim, os arquétipos agem em todas as existências e coordenam a evolução do espírito. Todos os mitos e lendas representam projeções dos arquétipos e podem ser detectados entre todos os povos, exibindo padrões semelhantes; por isso são denominados "coletivos".

Quais os pontos de convergência entre os estudos de e Kardec sobre os sonhos? Não se pode esquecer que Jung, em sua juventude, quando estava na universidade, em Berna, conheceu os estudos mediúnicos então em voga. Ele mesmo diz que leu tudo que pôde encontrar a respeito. Na fraternidade acadêmica Zofíngia, pronunciou palestras sobre a imortalidade da alma. Dirigiu uma reunião mediúnica, da qual extraiu os elementos de sua tese de graduação em Psiquiatria, além de participar de reuniões de feitos físicos. 

Os espíritos, nas obras básicas (os primeiro cinco livros de Kardec), apresentam os sonhos como vivências espirituais que são distorcidas durante o processo de retorno ao corpo, o que indica a existência de uma hipóstase inconsciente diretamente ligada ao corpo, que promove uma interação associativa entre as vivências espirituais e os conteúdos do inconsciente, nessa transição. 

Tanto para Jung como para Kardec, os sonhos apresentam mensagens que ajudam o indivíduo a se entender e a mudar os rumos de sua existência. Deve-se ressaltar que, para o Espiritismo, existem conteúdos inconscientes, atuais e passados, os quais estão agindo em nosso presente na forma de impulsos, às vezes incontroláveis. Exemplos: os conteúdos de nossa fase pré-hominal e as personalidades e vivências das existências anteriores. E quem poderá negar que essas experiências aparecem em nossos sonhos em forma simbólica? 

Qual a importância do sono e dos sonhos? A partir de que momento, durante o processo do sono físico, iniciam os sonhos? Por que nos recordamos de alguns e não de outros? 

O sono - está em O Livro dos Espíritos -, é um momento de descanso para o corpo e de liberdade para o espírito a ele preso. 

Os estudos atuais sobre o sono indicam que o sonho começa na denominada fase REM (Rapid Eyes Movement), ou de movimentos rápidos dos olhos do dormente. Como o sonho acontece por uma vivência direta do perispírito na realidade espiritual, ele está fora do sistema nervoso, o que dificulta a apropriação dessas sensações pelo cérebro. Todavia, ele permanece guardado no inconsciente e poderá ser recordado na ocasião adequada, como intuição, como ensina O Livro dos Espíritos. 

Sonhos induzidos por estímulos fisiológicos: são aqueles que se formam a partir de sensações físicas como bexiga cheia, pressão de um objeto sobre o corpo, sensações de frio ou calor, barulho da campainha do relógio etc.; 

Sonhos exclusivamente psíquicos: naturalmente, é uma redundância, desde que todos os sonhos são psíquicos, mas com isso quero significar sonhos que não são o resultado de vivências espirituais, pois o espírito fica também adormecido, não despertando para a realidade do mundo espiritual; 

Sonhos de desdobramento: aqueles em que o espírito sai do corpo de forma consciente, tudo vivendo, sentindo, e cuja recordação é praticamente total. 

Sonhos premonitórios: os que descerram os véus do futuro, de forma objetiva e clara, ou simbólica. Pode também ser incluído na categoria dos mediúnicos, desde quando haja a interferência de um espírito desencarnado; 

Sonhos mediúnicos: aqueles nos quais acontecem diversos fenômenos comuns à mediunidade em geral; 

Sonhos de outras existências: são aqueles em que acontecem regressões a existências anteriores. Em geral, servem para explicar acontecimentos da existência atual. 

Tanto o sono como os sonhos são uma necessidade não só para o corpo físico, mas principalmente para a alma. O que tem a nos dizer a esse respeito? 

Aquilo que diz O Livro dos Espíritos: o sono serve para que o corpo descanse, readquirindo energias. Para o espírito, é uma liberdade temporária, durante a qual ele entra em contato com seus afetos que lá ficaram, adquirindo forças para enfrentar as lutas da existência que está vivendo. Podemos entender os sonhos como cartas endereçadas a nós mesmos, cujo conteúdo não pode ser negligenciado? Todo sonho é uma mensagem do inconsciente que deve ser levada em conta, para uma vida melhor. Também não se pode esquecer que, durante o sono, estando liberto, o espírito pode receber instruções e diretrizes que o ajudem a suportar situações difíceis e a resolver problemas existenciais. 

Revista Espiritismo e Ciência. Ano 4 nº 46