Que lembranças você tem do carnaval? De um cheiro...?
"Hoje não tem dança, não tem mais menina de trança, nem cheiro de lança no ar". De um beijo...? "Vou beijar-te agora, não me leve a mal, pois é carnaval". De uma loucura...? "Vestiu uma camisa listada e saiu por aí. Em vez de tomar chá com torrada, ele tomou parati". De um porre...? "Eu sou da turma do funil, todo mundo bebe mas ninguém dorme no ponto...". De um desencontro...? "Este ano não vai ser igual aquele que passou, eu não brinquei, você também não brincou".
Você lembra de uma cidade...? "Voltei Recife, foi a saudade que me trouxe pelo braço". De uma solidariedade? "Todo mundo entendeu quando Zelão chorou. Ninguém riu, ninguém brincou, mas era carnaval".
Carnavais de todos os tempos, dos lampiões a gás, da volta pra casa, de madrugada, feliz..."A estrela Dalva, no céu desponta, e a lua anda tonta, com tamanho esplendor...". Carnavais dos terreiros, dos blocos, do bonde. Carnaval que continua trazendo emoções, surpresas, fantasias.
Carnaval que sobrevive. Teimoso.
Carnaval que resiste aos sambódromos, à publicidade, à falta de poesia. Os terreirões, o samba na Cinelândia, os blocos de rua. Marchinhas que insistem em ser cantadas, mesmo ensurdecidas com os tigrões e outros arrastões sem ritmo.
Carnaval que resiste à dengue, emblema maior do descaso, do desgoverno, da incompetência, que nos faz parecer um país medieval (lembra quando os estrangeiros perguntavam se aqui havia cobras em Copacabana e índios pelados na praia?). Carnaval que resiste à tristeza ou existe também com ela. "Mas chegou meu carnaval e ela não desfilou. Eu chorei, na avenida eu chorei..."
É a nossa festa, a mais brasileira, a mais pontual, a que nos promete mais calor e possibilidade de encontros e alegria.
Alguns de nós fogem, se refugiam numa praia, na montanha. Mas, lá de longe, onde os tambores não ecoam, escondido dos confetes, encontra alguém, reencontra, descobre um sentimento escondido. E volta feliz com o seu carnaval diferente, inesperado. Outros mergulham na paz da procura de si mesmo.
Mas, quando volta ao cotidiano e alguém pergunta: o que você fez neste carnaval? O nosso ermitão responde: neste carnaval, eu...
A todos os que ficam - no bloco, nos desfiles, na praia, na rua, no sossego da poltrona em frente à TV. A todos os que preferem outras viagens - na cozinha, na música, num cantinho a dois, longe da multidão. A todos que viajam em busca de um oásis no meio da tempestade de batuques... a todos os amigos: um feliz carnaval e um retorno sem engarrafamentos ou maiores ressacas. Tragam boas histórias, pra gente trocar pelo resto do ano.
"Pedi" licença aos compositores das músicas citadas: Edu Lobo, Chico Buarque, Assis Valente, Sérgio Ricardo. Aos que não lembro (ou não sei), peço perdão.
(Aldo Cordeiro)