1 de set. de 2020


Prece pelas Mulheres

Mulher, hoje eu acolho a sua dor.

Acolho as ausências que sangram e corroem a sua estrutura.

Acolho a tristeza pelos olhares de desprezo e recusa.

Acolho seu sangue mensal, mesmo quando desperdiçado em solo não fértil.

Acolho sua mal-dita língua, amputada e atrofiada pelo medo.

Acolho as suas escolhas erradas que, no fim, viraram acertos.

Acolho o bendito fruto do vosso frente, aquele germinado e também os tantos abortados.

Acolho aquela indiferença, que te atingiu feito sentença.

Acolho suas dúvidas sobre si mesma e a dificuldade em lidar com as impermanências.

Acolho aquela indigesta mania de seguir em frente, mas sem abandonar as culpas.

Acolho todos os seus orgasmos, inclusive aqueles profundos espasmos que, quase em segredo, teve sozinha, consigo mesma.

Mulher, eu acolho aquela vergonha de se mostrar, nua e sua.

Acolho todas as repetidas vezes que podou suas próprias asas por não acreditar que devia voar. 

Por favor, me deixa acolher também essas tantas lágrimas, que rolam entre dentes, fios de cabelo e dedos... 

Está tudo bem, não precisa disfarçar, você pode chorar...

Acolho os incômodos com a sua própria presença, inclusive nas vezes que pensou mesmo em se matar.

Eu acolho o brilho que mora lá no fundo dos seus olhos e não te deixa desanimar.

Acolho a sua imensa força. E também as mágoas ancestrais, herança dos abusos e dos insultos que te cortaram a carne fundo, aonde você nem se lembra mais.

Acolho a sua desconfiança, aquela que aprendeu a alimentar pra se defender, quando ainda era uma criança. Além disso, acolho todos os seus gritos, até os que nunca foram ouvidos, mas anseiam - com esperança - o momento certo de pular pela garganta.

Eu acolho os seus fios brancos, na cabeça e na buceta.

Acolho a vontade de dormir muito, o cansaço e as incertezas.

Acolho as enxaquecas, as dores na garganta e nos joelhos.

Acolho seu tesão em construir.

Acolho a coragem de, apesar de tudo, não desistir de si.

Acolho a facilidade em agarrar todas as oportunidades, mesmo com dificuldades pra respirar.

Acolho a capacidade de sustentar, mesmo quando não há mais nada pra dar.

Acolho a sua alegria, mesmo cheia de agonias.Tudo bem em ter pressa. O tempo nos desafia...

Acolho todas as mentiras bem ensaiadas que contou sobre si mesma.

Acolho a inveja que sente por acreditar que é mais fácil para as outras.

Acolho a repulsa em se olhar nos espelhos.

Acolho o ego que te transformou em super heroína.

Acolho essa sua síndrome de querer salvar a família enquanto se afoga sozinha.

Acolho a sua solidão no meio da multidão.

Acolho todos os seus processos de cura, não se preocupe, a natureza é cíclica.

Acolho as mutilações às quais se submeteu para parecer bonita.
Acolho a sua menina esquecida.

Eu me acolho. Eu te acolho.

E assim acolhemos toda forma de vida. 

O universo protege quem não se esquece de onde vêm.

(DandaraSuburbana)