CHEGUE NA PAZ

29 de dez. de 2015


O homem, se vive pela mente, não pode nunca ser inocente — e só na inocência o Divino baixa, ou você ascende ao Divino. A inocência é a porta. A mente é ladina, calculista, esperta e por causa dessa esperteza você perde — perde o Reino de Deus. Você pode alcançar o reino deste mundo bem sucedido através da mente; quanto mais calculista, mais eficiente nestes caminhos do mundo.

Mas a porta para o Reino de Deus está exatamente no oposto. Lá, não é necessário nenhum cálculo, nenhuma esperteza. A mente é totalmente desnecessária porque é apenas um mecanismo para se calcular, um mecanismo para ser esperto. Se você não precisa de nenhuma esperteza, de nenhum calculismo, a mente é desnecessária. Então, o coração torna-se a fonte do ser, e o coração é inocente.

Por que você insiste em ser esperto? Por que a mente está sempre pensando em como enganar? Porque esta é a única maneira de se obter sucesso neste mundo. Assim, os que querem ser bem sucedidos neste mundo fracassam no Reino de Deus. Se você estiver pronto para aceitar o seu fracasso neste mundo, estará pronto para entrar no outro mundo. No momento em que alguém está pronto para reconhecer que: “O sucesso neste mundo não é para mim, não existo para ele”, imediatamente acontece uma reversão, um retorno. Então a consciência não se dirige para fora, começa a mover-se para dentro.

Jesus enfatiza muito a inocência. Por isso está sempre falando da beleza das crianças, da inocência das flores, dos lírios, dos pássaros. Mas esse tipo de inocência não ajuda, você já a perdeu. Não tente assemelhar-se a ele verbalmente, não tente entendê-lo literalmente, é apenas simbólico.

Você não pode ser uma criança novamente — como isso é possível? Uma vez que você experimenta o conhecimento não pode voltar atrás. Você pode transcendê-lo, mas não voltar atrás, não existe nenhuma maneira de voltar atrás. Você pode seguir adiante, ir além mas não pode regredir — não há como. Não pode ser novamente uma criança comum. Como? Como perder aquilo que conheceu? Mas é possível transcender, ir além.

Lembre-se disso, caso contrário poderá começar a imitar uma criança e isso será uma esperteza, será mais uma premeditação. Jesus diz: “Seja como uma criança” e você começa a exercitar-se para ser uma criança — mas uma criança nunca se exercita. Uma criança é simplesmente uma criança, nem mesmo sabe que é uma criança, não tem consciência da sua inocência. Sua inocência existe, mas ela não está auto-consciente disso. Mas quando você se exercita, a auto-consciência estará presente. Então, essa infância será uma coisa falsa. Você pode representar mas não pode ser criança novamente — no sentido literal.

Um santo, um sábio, torna-se semelhante a uma criança num sentido totalmente diferente. Ele transcendeu, foi além da mente porque entendeu sua futilidade. Entendeu toda a falta de sentido que existe em ser um homem bem sucedido neste mundo — renunciou ao desejo de ser bem sucedido, ao desejo de impressionar aos outros; ao desejo de ser o maior, o mais importante; ao desejo de satisfazer o ego. Entendeu a absoluta futilidade disso tudo. A compreensão transcende. Havendo compreensão — imediatamente você é transformado numa dimensão diferente.

A infância está novamente presente — é chamada de segunda infância. Os hindus chamam este estágio de “renascimento”, dwij. Você nasce outra vez, mas este é um nascimento diferente, não vem do pai e da mãe. Vem do próprio Eu, não de dois corpos se encontrando, não da dualidade. Vem através do seu próprio Eu.

Este é o significado do nascimento de Jesus — neste sentido é que ele nasceu de uma virgem. Mas as pessoas tomam tudo no sentido literal e não entendem. De uma virgem significa: nasceu de um só. O outro não está presente, então quem pode corromper? Quem pode penetrar? A virgindade permanece absolutamente pura porque não existe o outro. Quando o outro está presente, a virgindade é perdida. Se o outro está presente na mente, a inocência é perdida. A consciência do outro, o desejo do outro faz com que a virgindade se perca. E este segundo nascimento pode ser virgem, mas o primeiro tem de acontecer através do sexo — não há outro jeito, não pode haver.

Jesus nasceu através do sexo como qualquer outra pessoa e está certo que seja assim. Jesus é exatamente como você — em semente, mas no reflorescimento é totalmente diferente porque um segundo nascimento aconteceu; um novo homem nasceu. O Jesus que nasceu de Maria não existe mais, deu a luz a si mesmo. Na antiga seita Essênia, diz-se que quando um homem é transformado, torna-se pai de si mesmo. Este é o significado: quando dizemos que Jesus não tem pai, isto significa que ele é o seu próprio pai. Parece absurdo, mas é assim.

O segundo nascimento é um nascimento virgem — e você é novamente inocente. Esta inocência é superior à de uma criança porque a criança terá de perder a sua. É um presente da natureza, não foi conseguida pela criança, então tem de ser tirada da criança. Quando a criança cresce perde sua inocência— e ela tem de crescer! Mas um sábio permanece inocente. Sua inocência não pode ser perdida porque é o clímax, é o auge do crescimento; não há um crescimento posterior. Se houver crescimento, então haverá mudança; mas se você atingiu uma meta além da qual não existe nada, somente então não haverá mudanças.

Uma criança tem de crescer diariamente: perder a inocência, tornar-se experiente; tem de conseguir conhecimento, tem de tornar-se esperta, calculista. Mas se ficar muito obcecada pelo mecanismo calculista, permanecerá no nascimento sexual, no nascimento dual. Então haverá sempre um contínuo conflito interior — porque será sempre dois.

Quando você nasce através de dois seres permanece sendo dois, porque ambos estão presentes: um homem não é apenas um homem, mas também mulher; o mesmo acontece com uma mulher — porque ambos nasceram de dois seres. Seu pai continua existindo em você, sua mãe também, porque ambos participaram, ambos se encontraram no seu corpo e suas correntes continuam fluindo — você é dois. E se você é dois, como pode estar tranqüilo? Se você é dois existe um contínuo conflito. Se você é a junção de duas polaridades opostas, uma tensão contínua permanece. Essa tensão não pode ser perdida, mesmo que você fique continuamente tentando descobrir um meio de ser silencioso, de ser pacífico, de alcançar a tranqüilidade. É impossível! Porque você é dois!

Para ser silencioso, é necessária a união, e para isso você tem de nascer novamente — foi isso que Jesus disse a Nicodemus. Nicodemus lhe perguntou: “O que tenho de fazer?

Jesus disse: “Primeiro, terá de renascer. Só então alguma coisa poderá acontecer. Assim como está, nada pode ser feito”.

SAKIAMUNI - Monge budista