CHEGUE NA PAZ

27 de out. de 2015


Você se debate contra os sinais de indiferença e egoísmo humanos? Sente-se oprimido pela sensação de que, enquanto se preocupa com o mundo, ao contrário de muitos outros? Julga que a indiferença de pessoas iguais a você está esvaziando o que resta da civilização e da vida na Terra? Se assim é, você não está sozinho. Mas também não está certo.

Um Estudo da Fundação Causa Comum a ser publicado em novembro, revela duas descobertas transformadoras. A primeira é que a grande maioria das 1000 pessoas pesquisadas – 74% – identificam-se mais fortemente com valores altruístas do que com valores egoístas. Significa que estão mais interessadas em gentileza, honestidade, perdão e justiça do que em dinheiro, fama, status e poder. A segunda é que uma maioria semelhante – 78% – acredita que os outros são mais egoístas do que realmente são. Ou seja, cometemos um terrível erro sobre o comportamento das outras pessoas.

A revelação de que a característica humana dominante é, digamos, a humanidade, não é surpresa para quem acompanhou o recente desenvolvimento das ciências sociais e do comportamento. As pessoas, sugerem essas descobertas, são básica e intrinsecamente boa gente.

Um artigo de revisão no jornal Fronteiras em Psicologia (Frontiers in Psychology) afirma que nosso comportamento em relação a membros de nossa espécie que não são nossos parentes é “espetacularmente incomum, comparado ao de outros animais”. Enquanto chimpanzés aceitam partilhar comida com membros do seu próprio grupo, embora geralmente só depois de importunados por pedidos agressivos, com estranhos eles tendem a reagir violentamente. Chimpanzés, observam os autores, comportam-se mais como o Homo economicus da mitologia neoliberal do que as pessoas.

Os humanos são, ao contrário, ultrassociais. Possuem uma elevada capacidade de empatia, sensibilidade sem paralelos para as necessidades do outro, um nível incomparável de preocupação com o bem-estar deste e capacidade de criar normas morais que generalizam e fazem valer essas tendências.

Esses traços emergem tão cedo em nossas vidas que parecem inatos. Ou seja, parece que evoluímos para nos tornarmos assim. Por volta dos 14 meses, as crianças começam a ajudar umas às outras — por exemplo pegando coisas para aquelas que não as conseguem alcançar. Quando chegam aos dois anos, passam a compartilhar objetos que valorizam. Aos três, começam a protestar contra a violação das normas morais por outras pessoas.

Um texto fascinante do jornal Infância (Infancy) revela que isso não tem nada a ver com recompensa. Crianças de três a cinco anos mostram-se menos propensas a ajudar alguém pela segunda vez se foram recompensadas ao fazê-lo pela primeira vez. Ou seja, recompensas externas parecem minar o desejo intrínseco de ajudar. (Pais, economistas e governos, anotem, por favor.)

O estudo descobriu também que crianças dessa idade estão mais inclinadas a ajudar pessoas que percebem estar sofrendo, e que desejam ver tal pessoa amparada, seja ou não por elas próprias. Isso sugere que são motivadas por um interesse genuíno no bem-estar da outra pessoa, ao invés do desejo de posar de benevolentes.

Por que razão? Como a árdua lógica da evolução produziria tais resultados? A questão é objeto de debates acalorados. Uma escola de pensamento defende que altruísmo é a resposta lógica à vida em pequenos grupos de parentes próximos, e a evolução, distraída, não foi capaz de perceber que agora vivemos em grandes grupos, a maioria composta por estrangeiros. Uma outra argumenta que grandes grupos, com grande número de altruístas, irão superar grandes grupos com grande número de egoístas. Uma terceira hipótese insiste em que a tendência à colaboração melhora a sobrevivência de cada um, independentemente do grupo em que se encontre. Qualquer que seja o mecanismo, o resultado é motivo para celebrar.

Se é assim, por que conservamos uma visão tão sombria da natureza humana? Em parte, talvez, por razões históricas. Filósofos, de Hobbesa Rousseau, Malthus a Schopenhauer, cujo entendimento da evolução humana limitava-se ao Livro de Gênesis, produziram relatos persuasivos, influentes e catastroficamente equivocados sobre o “estado de natureza” (nossas características inatas, ancestrais). Suas especulações sobre esse assunto deveriam há muito ter sido colocadas numa prateleira alta, etiquetada de “curiosidades históricas”. Mas de alguma forma elas ainda parecem exercer controle sobre nossas mentes.

Outro problema é que – quase por definição – muitos daqueles que dominam a vida pública têm fixação incomum em fama, dinheiro e poder. Seu extremo autocentramento faz deles uma pequena minoria. Mas, como estão em todo lugar, achamos que são representativos da humanidade.

A mídia idolatra riqueza e poder, e às vezes lança ataques furiosos contra pessoas que se comportam altruisticamente. Vale atentar para o espaço dado, nos jornais e TVs, a pessoas que falam e escrevem como se fossem psicopatas.

As consequências desse pessimismo indevido sobre a natureza humana são notáveis. Como revelam as entrevistas e a pesquisa da Common Cause Foundation, os que têm visão mais sombria da humanidade são os que tendem a votar menos. Por que razão o fariam, raciocinam, se todos os outros votam apenas segundo seus próprios interesses egoístas? De modo interessante, e que pode alarmar pessoas da minha sensibilidade política, também descobriram que as pessoas de ideias libertárias tendem a ter uma visão das outras pessoas mais sombria que a dos conservadores. Você quer que as ideias de transformação social avancem? Se é assim espalhe a notícia de que as pessoas, em sua grande maioria, são bem-intencionadas.

A misantropia abre campo para a minoria gananciosa, e alucinada pelo poder, que tende a dominar nossos sistemas políticos. Se soubéssemos quanto são anormais, estaríamos mais inclinados a rejeitá-los e buscar líderes melhores. Isso contribui para o perigo real que enfrentamos: não um egoísmo generalizado, mas uma passividade generalizada. Bilhões de pessoas decentes balançam suas cabeças enquanto o mundo pega fogo, imobilizadas pela convicção de que ninguém mais quer saber de nada.

Você não está só. O mundo está com você, ainda que não tenha encontrado sua voz.

George Monbiot - jornalista e ambientalista inglês, publicado por Outras Palavras, 14-10-2015.