De que vale vivermos cada vez mais, se os jovens ouvem cada vez menos os mais velhos?
A pista de esqui está repleta de adolescentes, crianças enfileiradas atrás do instrutor e outros esquiadores solitários. No meio deles, passa um casal de uns 70 e tantos anos. Ele se movimenta com segurança, sabe o que está fazendo e deliza depressa sobre os esquis. A mulher, mais atrapalhada, vai devagar, concentrada. No meio da pista, antes de começar uma descida íngreme, paramos ao lado deles. Depois de alguns minutos de conversa, chegamos à conclusão de que os dois velhinhos são fantásticos.
"Com esta idade e ainda têm disposição para esquiar", diz alguém.
A idade é implacável. Pra muitos de nós, os mais velhos encontram-se em um ponto entre a representação fossilizada de um passado, quando nem havia internet, e um fenômeno de resistência. Resistência física, claro - a única qualidade que admiramos neles.
O mundo é um lugar para os jovens. Não são só as novidades que lhes servem melhor. É tudo. O ideal de beleza estagnou no espaço entre os 25 e os 30 e poucos anos; o sucesso, para ser invejável, tem de ser atingido antes dos 40; e as estrelas da política, da música ou do cinema devem ser jovens. Ou assim parecer. Temos jovens em excesso. Os que são de fato, aqueles que querem ser e os que só são aceitos se forem.
Que alguns adultos ajam como garotos, isso é problema deles. Que meio mundo impinja à outra metade o ideal da juventude é ruim, e não muito fácil de corrigir. O mais grave, porém, é os jovens aceitarem a idéia. E gostarem dela.
O problema dessa tendência é que ela nos tira o dever de aprender com os mais velhos e nos rouba o direito de cometer erros que só se admitem a quem viveu pouco. No próprio interesse, os mais nbovos deviam exigir o regresso ao tempo em que a importância era algo que se ganhava com a idade. Com a vida.
Não é por acaso que os jovens revolucinários, que desejam mudar o mundo mesmo que à força, quando crescem, ficam mais preocupados em proteger o que descobriram que já havia de bom no planeta.
Aprende-se muito mais à medida que se envelhece, ainda que se estude menos.
Os mais velhos nem sempre têm razão, não estão certos o tempo todo, nem sequer sabem tudo. Mas viveram mais. E isso é mais importante do que todos os mestrados, cursos de pós-graduação e horas de navegação a que minha geração tem acesso agora.
Apesar da explosão da internet, da esmagadora globalização e de todas as descobertas da ciência, os homens são o que sempre foram: justos e injustos, sérios ou não, bons e maus, e tudo mais que existe desde que começamos a andar sobre duas pernas. Isso se compreende mais facilmente com o passar dos anos.
E é por esse mesmo motivo que nos falta o direito a um tempo em que não somos obrigados a acertar, ter razão, nem sequer caminhar para o sucesso. Só que isso não é fácil.
Aonde quer que se vá, o que importa são as novas opiniões, as novas idéias, as novas descobertas. Como se tudo que ficou para trás fosse logo transformado em peças de artesanato em via de extinção.
Se não somos capazes de dar valor aos mais velhos, ao menos que o façamos por nós, pelo respeito que devíamos merecer com a idade.
Os velhos vivem cada vez mais. Seria tão bom se soubéssemos tirar proveito disso. Mesmo que não por eles, mas por nós.
Henrique Burnay - Revista "Elle", Lisboa - Portugal.