Se a vida é bela somente pelos encantos que oferece, então deveria ser lei universal que ela não tivesse qualquer presença de perda. Se fosse obrigada ser choro derramado que fosse sempre por alegrias infindas, nunca por dores que dilaceram o coração.
Teria que ser luz em profusão e que sempre mostrasse a euforia do riso, em vez do lamento da alma. E se quisesse ir mais além, para eternalizar seus encantos, nunca deveria permitir que secassem os trigos nos campos, que se soltassem as pétalas dos lírios, que virassem marés vazantes os oceanos afoitos, que nunca tivesse fim no meio da noite o incandescente riscar de uma estrela cadente.
Seria bela, sempre, se negasse aos amantes a insana coragem de dissiparem suas juras de amor eterno e que os seus limites nunca pudessem permitir que o desamor desse um passo a frente ou que ousasse conceder à cor rubra das paixões o direito de empalidecer dentro de tantas artérias ardentes.
Se a alma da vida tivesse contornos, formas, que todos fossem desenhados nas cores celestes de todos os céus. Que fosse sempre alvorada em chamas, em vez das saudades intensas que se derramam pelas paredes tristes do sol poente. Que tivessem braços envolventes todas as estrelas, olhos e lábios todas as luas, pernas lentas todas as primaveras, mãos acariciantes todas as chuvas.
Para ser o encanto pleno que deixasse de carregar todos os dias tantos fardos de desesperanças, que ouvisse todos os apelos que saíssem das bocas sofridas, que atendesse todas as ânsias de todos os homens aflitos. Que seus feitiços pudessem paralisar e emoldurar a prata do orvalho, o andar das nuvens, que dessem cores para todos os ventos.
Que sua magia fizesse morar nas calçadas das cidades cinzas somente os pedaços de luar, a preguiça do sol, nunca as pessoas indigentes com seus sonhos anestesiados, cerceados, despertados pelo correr da flecha invisível riscando no ar estupidos e injustos destinos. Se quisesse ser a face alva da bondade que tornasse lei terrena que todas as crianças deveriam ser felizes, como são inocentes. Sadias, como são ingênuas.
Se pretendesse ser eternamente bela teria, então, que costurar a felicidade às almas dos homens não permitindo, assim, que ela fugisse escorregando pelas paredes de muitos corações e se escondesse entre os segredos e os mistérios das surpresas infelizes.
Que sempre fosse as mãos da piedade pública. Os olhos da compaixão. Os ouvidos para todos os alaridos de dor. Se realmente a vida é bela por todos os encantos que oferece e deseja para sempre ser a esposa do mundo teria que ser amor perfeito, todas as cores da liberdade, o perfume de uma manhã de chuva leve, a calma dos rios, a leveza da alma, e que os chãos de fogo fossem pintados com as cores de todos os arco-íris.
Caso seja verdade que a vida é bela somente pelos seus encantamentos, que jamais deixasse escassear o espetáculo da fé nos corações de todos os homens. Eu, por enquanto, fico apenas olhando nos olhos da esperança.
Noelio Mello - Belém/PA