CHEGUE NA PAZ

1 de abr. de 2011

Duas idades

"Idades só há duas: ou se está vivo ou morto."
A frase acima é uma das tantas definições precisas de Mário Quintana, que, devido à atualidade da sua obra e pensamento, está e não está morto, possui as duas idades que ele reconhecia. E o que significa isso de fato? Nada. É apenas mais uma razão para lembrá-lo, e a tudo o que ele deixou escrito e que permanece.

Este é um ano em que muitas pessoas que amo completaram idades redondas: 10, 15, 45, 70. Cada uma experimentando uma etapa diferente da vida, mas todas com algo mágico em comum: possuem a mesma idade, estão vivas.

Sou nostálgica, tenho a tendência a achar que o antes era sempre melhor - não havia tanta violência, nem vaidade extrema, e os sentimentos eram mais verdadeiros -, mas reconheço que os tempos de agora trouxeram uma novidade bombástica: eliminaram as diferenças de geração.

Podemos ser tudo em qualquer idade. Jovens responsáveis e maduros, adultos rebeldes e inconseqüentes, velhos produtivos e fazendo planos pro futuro. Todos combinam entre si em suas ambições e desejos. Estão todos na mesma festa, comemorando a mesma idade: vivos.

O garoto de 12 que entra pro Guinness, a jornalista de 58 que namora um Apolo de 33, o escritor que lança seu primeiro livro aos 60, a ex-vedete que aos 99 ainda exibe boas pernas, o homem que aos 28 se tornou um dos deputados mais votados, a mulher que foi mãe aos 56.

O que nos impede de realizar nossos objetivos? Milhares de coisas, eu sei: a falta de dinheiro, de incentivo, de força de vontade. Mas que ninguém venha reclamar que não tem mais idade para alguma coisa, seja lá que coisa for esta.

Não foi só a medicina e a ciência que possibilitaram uma vida útil muito mais extensa: nossa mentalidade vem mudando. Claro que nem tudo é positivo: meninas engravidam quando deveriam estar brincando e crianças trabalham quando deveriam estar estudando.

De um lado, falta orientação e informação; de outra, sobra exploração e necessidade de sustento. Afora essas tragédias sociais que já deveriam estar sendo combatidas, a parte boa da história é que nosso tempo esticou, e os estigmas encolheram.

Falta bastante ainda: falta emprego para quem tem mais de 40, falta aposentadoria decente, um sistema de saúde com mais eficiência, falta a parte do governo, como é praxe. Mas o nível de desistência pessoal caiu drasticamente - poucos hoje se acomodam. Nunca o ditado "quem é vivo sempre aparece" foi tão realista. Estão todos bem à vista, loucos para serem aproveitados.

Mário Quintana aproveitou-se. Não viveu apenas cronologicamente, sabia ter todas as idades num único dia. Num poema, era um garoto de 14 anos. Em outro, tinha 30. Em sua maioria, era eterno. A cada página, um estado de espírito: ora meio infantil, ora um sábio, às vezes um transtornado.

Porque é assim mesmo que somos, de adolescentes a caducos num estalar de dedos, a emoção é que determina nossa data de nascimento.
Hoje ele teria 100, teria 13, teria 52, ele teria o quê, vivo estivesse? Perguntemos a nós mesmos que idade magnífica temos neste instante.

Martha Medeiros