Se podes conservar o teu bom senso e a calma
No mundo a delirar para quem o louco és tu
Se podes crer em ti com toda a força de alma
Quando ninguém te crê...Se vais faminto e nu.
Trilhando sem revolta um rumo solitário
Se à torva intolerância, à negra incompreensão
Tu podes responder subindo o teu calvário
Com lágrimas de amor e bênçãos de perdão.
Se podes dizer bem de quem te calunia
Se dás ternura em troca aos que te dão rancor
Mas sem a afectação de um santo que oficia
Nem pretensões de sábio a dar lições de amor.
Se podes esperar sem fatigar a esperança
Sonhar, mas conservar-te acima do teu sonho
Fazer do pensamento um arco de aliança
Entre o clarão do inferno e a luz do céu risonho.
Se podes encarar com indiferença igual
O triunfo e a derrota, eternos impostores
Se podes ver o bem oculto em todo o mal
E resignar sorrindo o amor dos teus amores.
Se podes resistir à raiva e à vergonha
De ver envenenar as frases que disseste
E que um velhaco emprega eivadas de peçonha
Com falsas intenções que tu jamais lhes deste.
Se podes ver por terra as obras que fizeste
Vaiadas por malsins, desorientando o povo
E sem dizeres palavra alguma, e sem um termo agreste
Voltares ao princípio, a construir de novo.
Se puderes obrigar o coração e os músculos
A renovar um esforço há muito vacilante
Quando no teu corpo, já afogado em crepúsculos
Só exista a vontade a comandar avante.
Se vivendo entre o povo és virtuoso e nobre
Se vivendo entre os reis, conservas a humildade
Se inimigo ou amigo, o poderoso e o pobre
São iguais para ti à luz da eternidade.
Se quem conta contigo encontra mais que a conta
Se podes empregar os sessenta segundos
Do minuto que passa em obra de tal monta
Que o minuto se espraia em séculos fecundos.
Então, óh ser sublime, o mundo inteiro é teu!
Já dominastes os reis, os tempos, os espaços
Mas, ainda para além, um novo sol rompeu
Abrindo o infinito ao rumo dos teus passos.
Pairando numa esfera acima deste plano
Sem receares jamais que os erros te retomem
Quando já nada houver em ti que seja humano
Alegra-te, filho meu, então serás um homem!
autor: Joseph Rudyard Kipling - Tradução: Feres Bermudes