28 de ago. de 2010

Undisclosed-Recipient

Acreditei. Pus fé.
Tá legal, eu sempre soube que era um relacionamento virtual. Mas era tão lindo receber teus poemas, teus galanteios, elogios. Há vinte anos atrás, seriam cartas de amor e não e-mail. Ridículas cartas de amor, como Fernando Pessoa descreve em seu poema. Mas ele lembra que só quem ama permite-se ao ridículo. Ame e dê vexame, e vexame pouco é bobagem. Então dei todos que tinha direito.
Adorava receber:
De: amado
Para: sonhadora
E escrevia para ti. Desnudei meu coração. Abri minh'alma.
Comecei a perceber o início do fim, quando ficaram esparsos. No início, eram seis, sete por dia. Passaram a chegar apenas dois, pior um ou nenhum e-mail. Depois veio a fase do Cc..com cópias. Então, aquelas deliciosas palavras não eram só para mim. Declarações de amor não têm testemunhas. São secretas, íntimas, pessoais. Hoje sei que não sou nada. Fui algum dia? Virei uma Cco...oculta, anônima.
Olhei-me no espelho. Seria parecida com um catálogo de endereços?
Meu nome é Undisclosed-Recipient.
Teu nome...Ah! O teu virou Mail Delivery System.
Tua caixa está sempre lotada para mim.
Assim como teu coração traiçoeiro. Lotou de tanto carinho que te dei.
Assista a desconstrução de uma mulher apaixonada em crise.
Paixão doida e doída do século XXI.
Não vou dizer adeus sem mágoas. Adeus, magoada sim.
Desejarei a ti uma péssima conexão, isto já é o bastante.
Não se bate mais telefone na cara. Não se troca mais de caminho.
Deleta-se.
Bom, vou nessa. Boa década pra você.
Sua Undisclosed.

Livro/EU & A NET/2002
autor: Rosa Pena