O meu relógio sempre marcou outras horas, os ponteiros contando os segundos no tic-tac do meu coração.
E eu fui embora muitas vezes, deixando para trás tudo o que me incomodava e me tirava a paz. Como se, num passe de mágica, a minha localização geográfica no mundo tivesse o poder de tudo transformar, mas não era bem assim.
Eu fui embora muitas vezes...
De mim, das coisas que eu gostava, das pessoas que eu amava, das casas que me abrigavam e já tinham a minha cara, o meu jeito.
E eu fui embora muitas vezes...
Dos meus fantasmas, da roupa desgastada, do retrato amarelado, eternizando um dia feliz, do que me fizeram e do que eu, por um capricho bobo, permiti que me fizessem.
Eu fui embora, mas o que me doía foi embora junto comigo, o vazio que me afligia também me acompanhou.
Foi então que eu percebi que o problema era aqui, dentro de mim, e não importava onde eu estivesse, tudo estaria exatamente igual, se eu não arrumasse minha casa interior.
Fui fazendo minha faxina, joguei muita coisa fora, tirei os entulhos dos cantos (eles estavam lá, impedindo a circulação de ar, atravancando o caminho). Dei uma cara nova para um velho espelho bastante empoeirado, pendurado numa parede fria.
Muita coisa precisei guardar, coloquei numa caixinha só para abrir de vez em quando e não me esquecer quem sou.
Colori minhas paredes, estendi lençóis cheirosos e descansei.
Tudo fica mais fácil quando a gente começa a se olhar direito, a se conhecer direito, a se escutar com o coração e construir casas para os nossos sentimentos.
E é aqui, dentro da gente, que tudo começa (e termina, também).
(Eunice Ramos)