28 de abr. de 2015


Todo mundo sabe quando está triste, mas raramente alguém consegue identificar a felicidade. Eu era feliz e não sabia, lamuriam-se os desgostosos. O contrário não se ouve. Todo mundo sabe quando está triste.

A felicidade verdadeira é discreta. Não se exibe em aquários virtuais, agitando sua cauda multicolorida de peixe.

É tão discreta, aliás, que quase sempre passa despercebida, invisível aos olhos e ouvidos.

Todo mundo sabe quando está triste, mas raramente alguém consegue identificar a felicidade. Eu era feliz e não sabia, lamuriam-se os desgostosos. O contrário não se ouve. Todo mundo sabe quando está triste.

Acontece que não saber alguma coisa é, para todos nós, um espinho, uma cãibra, um incômodo. O ser humano é cheio de manias e de complexidades, e, entre elas todas, está o querer saber, o querer entender e, no mais das vezes, o querer controlar. Há qualquer coisa de angústia na felicidade, portanto. Não apenas a angústia de a todo momento querer prever um fim a ela, prevenindo-se, repetindo como um bichinho acuado que nada é para sempre – o que, de todas as justificativas para não viver a vida, me parece a pior. A felicidade angustia porque está sempre cercada numa bruma de mistério. É um não saber que nos alfineta ao fim do dia: afinal, o que está acontecendo? Sei que não estou triste, mas então, estarei o que?

É doloroso não saber, assim como é doloroso, quase sempre, o prazer.

A infelicidade nós reconhecemos de longe. É fácil ser infeliz. É, ao contrário do que dizem, reconfortante. Sabemos exatamente por que estamos tristes, no mais das vezes, ainda que nem todos os motivos sejam tão concretos quanto um funeral. Vêm notícias da infelicidade pela lente que embaça os olhos, pela pedra que obstrui o estômago, pelos ossos na garganta. Eu queria ser mais, eu queria ser melhor. Eu queria ter mais. Carro, celular, apartamento, tempo, dinheiro, relógios, sexo, serviçais. Estamos cercados por coisas úteis e inúteis que adquirimos para obter um segundo de felicidade e muitos anos de miséria, depois que se vão.

De certo modo, a miséria existencial é mais sociável. Quando tristes, a notícia se espalha entre os amigos como folhas sobre a água quente; oferecem um abraço e uma xícara de chá que nos reconfortem. Quando felizes, nos evitam. Estão bem, não precisam de mais nada. Estar triste é, para muitos, estar em casa.

A felicidade, na praxe que não é uma explosão repentina, o nascimento de um filho, uma loteria, aproxima-se com carinho, lentamente. Toca primeiro as pontas dos dedos, depois toma com suavidade a nossa mão, avança delicadamente pelo braço, ombro, pescoço, tamborilando imperceptivelmente com patas finas até encostar seus lábios nos nossos lábios e deixar um beijo morno nos envolver.

Quem está ocupado demais trabalhando, correndo, acelerando, gritando, fervendo o chá do desagravo, não sente o roçar desses dedos minúsculos no cabelo, não sabe o beijo. Então a felicidade vira uma coisa esquisita e sem nome, um estranho que talvez tenha passado por nós na rua com um sorriso gratuito e tolo, anteontem.

Mais difícil do que ser feliz é saber-se feliz. Melhor do que ser feliz é saber-se feliz. É muito raro que a felicidade brilhe diante dos nossos olhos, fulgurante, como uma pedra preciosa. 

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