29 de set. de 2014


Na década de 1960/1970 o antropólogo estadunidense, Carlos Castanheda, conviveu com o xamã mexicano, Dom Juan Matus, numa instigadora odisseia para os buscadores espirituais. Tentando entender o efeito das plantas alucinógenas na vida dos nativos, embrenhou-se numa jornada de autoconhecimento, de encontros e desencontros que mobiliza todos que entram em contato com esta experiência. A partir do encontro com Dom Juan Matus, Castanheda passa a enfocar a luz interior em detrimento da exterior. E nesse percurso vamos transcrever um texto dele sobre o 'caminho do coração'.
"Tudo é um entre quantidades de caminhos. Portanto você deve ter sempre em mente que um caminho não é mais do que um caminho. Se achar que não deve seguí-lo, não deve permanecer nele sob nenhuma circunstância. Para ter uma clareza destas é preciso levar uma vida disciplinada. Só então você saberá que um caminho não passa de um caminho e não há afronta, nem para si nem para os outros, em largá-lo se é isto que seu coração o manda fazer. Mas sua decisão de continuar no caminho ou largá-lo deve ser isenta de medo e de ambição. Eu lhe aviso. Olhe bem cada caminho de perto, deliberadamente e com propósito. Experimente tantas vezes quanto julgar necessário. Então faça a si mesmo, e só a si mesmo, uma pergunta. Esta pergunta é uma que só os muito velhos fazem. Meu benfeitor certa vez me contou a respeito quando eu era jovem, mas meu sangue vigoroso demais para que eu a compreendesse. Agora eu a compreendo. Eu te direi qual é essa pergunta: 

Esse caminho tem coração? 

Todos os caminhos são os mesmos, não conduzem a lugar algum. São caminhos que atravessam o mato ou que entram no mato. Em minha vida posso dizer que já passei por caminhos compridos, compridos, mas não estou em lugar algum. A pergunta de meu benfeitor agora tem um significado. 

Esse caminho tem um coração? 


Se tiver o caminho é bom, se não tiver é inútil. Ambos os caminhos não conduzem a parte alguma, mas um tem coração e o outro não. Um torna a viagem alegre, enquanto você o seguir, será um com ele. O outro o fará maldizer sua vida. Um o torna forte, o outro o enfraquece. 

Você acha que há dois mundos para você, dois caminhos, mas só existe um. O único mundo possível para você é o mundo dos homens, e esse mundo você não pode resolver largar. É um homem. O protetor, Mescalito, lhe mostrou o mundo da felicidade, onde não há diferença entre as coisas, porque lá não há ninguém que indague pela diferença. Mas este não é o mundo dos homens. O protetor o sacudiu dali para fora e lhe mostrou como é que o homem pensa e luta. Este é o mundo do homem. E ser um homem é estar condenado a este mundo. Você tem a presunção de crer que vive em dois mundos, mas isto é apenas vaidade. Só existe um único mundo para nós. Somos homens e temos que seguir o mundo dos homens satisfeitos. 

Como saberei se ao certo se o caminho tem ou não tem coração? Qualquer pessoa sabe disto. O problema é que ninguém faz a pergunta, e quando afinal o homem descobre que tomou um caminho sem coração o caminho está pronto para matá-lo. Neste ponto muito poucos homens conseguem parar para pensar e deixar o caminho. Um caminho sem coração nunca é agradável. Tem-se de trabalhar muito até para seguí-lo. Por outro lado um caminho com coração é fácil, não o faz trabalhar para gostar dele.

O desejo de aprender não é ambição. É nosso destino como homens querer saber. Querer o poder é que é ambição. Não deixe que a erva do diabo o cegue. Já o fisgou. Engoda os homens e lhes dá uma sensação de poder. Ela os faz sentir que podem fazer coisas que nenhum homem comum pode fazer. Mas isto é a armadilha dela. E em seguida o caminho sem coração se volta contra os homens e os destrói. Não custa muito morrer, e procurar a morte é não procurar nada." ( A Erva do Diabo- Carlos Castaneda)


Cara pálidas! Esse ensinamento do índio, fala do encontro de um caminho com o coração, de experimentar uma trilha que nos transcenda e, nos toque no centro do nosso ser. Fazê-lo é encontrar um caminho de prática que permite viver no mundo plenamente à partir do nosso coração. E somente o caminhante pode saber qual é o caminho do coração. Ninguém pode definir pra nós qual deveria ser o nosso caminho, pelo contrário, devemos deixar que o mistério e a beleza dessa pergunta ressoem dentro do nosso ser. Então em qualquer lugar dentro de nós, surgirá a resposta e a compreensão vai aflorar. Se aquietarmos e ouvirmos profundamente, mesmo que por um só momento, saberemos se estamos seguindo um caminho com o coração. 

É possível falar diretamente com o nosso coração. Muitas culturas antigas sabem disso. Podemos realmente falar com o nosso coração, como se ele fosse um bom amigo. Mas estamos muito ocupados com a correria da vida agitada que esquecemos essa arte essencial de fazer uma pausa e conversar com o nosso coração. 

Quando lhe perguntamos sobre o nosso caminho atual, precisamos observar os valores pelos quais escolhemos viver. Onde empregamos o nosso tempo, nossa força, a nossa criatividade, o nosso amor? Precisamos olhar nossa vida sem sentimentalismo, exageros ou idealismo. Aquilo que estamos escolhendo reflete aquilo que estamos valorizando mais profundamente. É preciso prescrutar a memória de todas experiências que estamos vivendo, e quando tiver uma reflexão concluída, olhe com muito cuidado para a qualidade dessas situações, veja bondade nos atos, nas palavras. Essas ações nós não colocamos num 'curriculum vitae'. 

Esse 'caminho do coração' é para ser aplicado e questionado cotidianamente, construindo a maturidade espiritual. Deve tornar-se uma chave sonora para acordar o ser adormecido mentalmente, pois o coração é intuitivo, dizem que é um caminho feminino, por isso ele tem uma leveza e uma suavidade ímpar. 

Para Dom Juan Matus, sempre há dois caminhos: o caminho do ego e do self; da simplicidade e a complexidade; da fragmentação e da inteireza; da confusão e da harmonia; da sombra e da luz; do bem e do mal. Hás caminhos que gastamos energias infinitas e outros são levíssimos. 

Para Roberto Crema, nenhum está errado, todo caminho leva a algum lugar, pois as experiências vividas são elementos basilares para a maturidade. Mas, somente um tem o coração, esse é o segredo.

Confúcio ensinava 'vá onde está o seu coração'. Siga em frente, não crie obstáculos para chegar ao seu coração, admitido que a bondade e o amor genuino podem brilhar livremente a partir de nosso coração. Permitindo que o sabor a bondade impregne nossa vida. 

No mundo da vida, os seres humanos sempre perguntam: Quanto tenho na conta corrente ou poupança? Quantos carros encontra-se em minha garagem? O que eu construí? ou coisas semelhantes... 

Deviam perguntar a si mesmo: Eu amei plenamente? Vivi plenamente? Aprendi a me desapegar? Creio que foram essas perguntas que os venerando seres fizeram a si mesmo. Eu rogo aos mestres que essa leitura toque seu coração e vibre em sua alma. Encerro desejando a todos força para seguir na trilha do coração. Vida em plenitude! Abraços ricos de coração. 

(Norma Villares 24.04.2011)

Referência bibliográfica:
. Kormfield Jack. Um Caminho com o Coração. Editora Cultrix, tradutores: Merle Scoss e Melania Scoss. São Paulo 1999.
. Viagem a Ixtlan (Journey to Ixtlan: The Lesson of Don Juan-1972) Esse livro foi tese de PhD de Castanheda na UCLA em 1973 com o título: Sorcery: A descriptiom of the world".