RADIOGRAFIA DA VAIDADE
Não sabemos quem foi o primeiro a afirmar que o elogio é a mais perigosa das armas, mas é fora de dúvida que a vaidade é astuciosa e envenenadora.
Quem se der ao trabalho de relacionar os centenares de fracassos de obreiros e missionários com bem qualificados e oportunos programas de trabalho, nos múltiplos setores das atividades humanas, da religião à ciência, das artes à filosofia, verificará que, na maioria das vezes, a causa inicial foi a vaidade.
A vaidade amolenta as almas, destrói o entusiasmo vivificador, mina as energias do esforço construtivo, entroniza o orgulho, alimenta o egoísmo, descerra portas à intolerância, desperta ambições inferiores, instiga animosidades, sustenta o personalismo exacerbado, enseja disputas enfraquecedoras, empequenece a personalidade dos semelhantes, pavoneando méritos que se atribui a si mesma; quer sempre aparecer, exibir-se e se não o consegue, melindra-se, irrita-se, inconformada com o ensejo que se lhe escapou; não mede as consequências dos seus impropérios maldosamente assacados contra quantos lhe são contrários aos pontos de vista; usa de meios e modos inescrupulosos para chegar aos fins a que se propõe colimar; instala a presunção e atrofia a sensibilidade; jactanciosa, só lhe parece válido o que faz, com desdém ao que não é de sua iniciativa própria; arroga-se o direito de domínio sobre pessoas, situações e coisas e, sem ajuizar do direito que assiste a outrem de pensar de maneira diferente da sua, reage com mau humor e acrimônia; voluntariosa e de extrema susceptibilidade, molesta-se com algo ou alguém que venha de encontro ao seu temperamento; assim, a vaidade se compraz em desorganizar, em desestabilizar, em desestruturar, em demolir para fazer valer a arbitrariedade e prepotência de que é detentora.
Inimiga figadal e irreconciliável do entendimento e da concórdia, a vaidade atira almas contra almas, corações contra corações no intuito de subestimar predicados de espíritos lúcidos, desfigurar valores de mentes esclarecidas, desmerecer dos méritos de personalidades bem formadas; com imagens fantasiosas e argumentos tendenciosos, pretende sustentar auto-suficiência em tudo, enchendo de escolhos os caminhos mais suaves e de atalhos pedregosos os melhores rumos a alentadoras clareiras, obscurecendo e obscurecendo-se.
Adversária ferrenha da modéstia e da humildade, contrária ao bom senso, seus anseios de enganos e engodos golpeiam quadros de trabalhos individuais e coletivos de reconhecida envergadura e de insuspeitas reputações ilibadas, na tentativa de suscitar rebeldias e indisciplinas, de insuflar a desordem até ao ponto onde pode alcançar o seu raio de ação danosa, visando a estabelecer hegemonia discricionária e suscitar crises de hostilidades. Terrível morbo, atua com desfaçatez – é indisfarçável agente de desagregação!
Para nossa salvaguarda e defesa própria desse mal insidioso e de contagiosa contaminação, de outro recurso não dispomos senão o de vigiar, a todo tempo, o coração e a mente, como o agricultor o faz à gleba semeada, para que a germinação, a florescência e a frutificação dos sentimentos enobrecidos, no âmago do nosso ser, não sejam sufocados por essa erva daninha.
Agora então, sobretudo, quando frequentemente, no dia-a-dia de nossa existência, recebemos de todos os lados, pelas mais variadas e desvirtuadoras formas, os piores incentivos e apelos de péssimo nível moral; quando, tomados de empáfia, jactanciosamente, pomos em evidência a nossa personalidade por algo que fazemos, com menosprezo pelo que outros fazem; quando circunstâncias adversas requerem de nós condições propícias a que as superemos, para que logremos alcançar, vitoriosos, as metas, no amanhã, do nosso programa de trabalho, mais do que nunca se faz imprescindível uma postura de contínua vigilância e de firme resistência, para não abrirmos as guardas à incursão, solerte e engenhosa, da vaidade com o seu malfadado séquito de agentes destrutivos.
Com vistas à consecução de tão oportuno quão apropriado objetivo, é de bom alvitre que nos mantenhamos diuturnamente atentos ao cumprimento dos nossos deveres, à conscientização de nossa responsabilidade, à desincumbência dos nossos compromissos, à compenetração de imperiosa vivência nossa dos padrões de conduta espírita-cristã, a fim de que não sejamos colhidos de surpresa pelos sopros alígeros da vaidade e do tênues fios de sua tecedura, que se transmudam, a um só tempo e de uma hora para outra, em vendavais devastadores de nossas perspectivas de redenção e de aranhol de brônzeos filamentos a nos tolherem os passos de ascensão aos Páramos da Espiritualidade.
Mais do que noutros tempos merecem lembradas as anotações de Lucas:
- “O servo que souber da vontade do seu amo e que, entretanto, não estiver pronto e não fizer o que dele queira o amo, será rudemente castigado. – Mas, aquele que não tenha sabido de sua vontade e fizer coisas dignas de castigo menos punido será. Muito se pedirá àquele a quem muito se houver dado e maiores contas serão tomadas àquele a quem mais coisas se haja confiado. (12:47-48)
“Qual de vós, tendo um servo ocupado na lavoura ou em guardar o gado, lhe dirá quando voltar do campo: Vem já e põe-te à mesa? E que antes não lhe diga: Prepara-me a ceia, cinge-te, e serve-me enquanto eu como e bebo; depois comerás tu e beberás. Porventura terá de agradecer ao servo por ter este feito o que lhe havia ordenado? Assim também vós, depois de haverdes feito quanto vos foi ordenado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos apenas o que devíamos fazer.” (17:7-10)
Claro posicionamento de flagrante atualidade para nós outros, hodiernos militantes da hoste espiritistas. Precatemo-nos, pois! Precatemo-nos, enquanto ainda há tempo. Não deixemos para amanhã o que podemos fazer hoje, ou, mais avisadamente, não deixemos para depois o que podemos fazer agora. A hora é esta! Saibamos aproveitá-la! Vale a pena! Oportunidade desperdiçada é como um bem que deixamos de desfrutar, sem possível recuperação do seu benefício.
PASSOS LÍRIO
Reformador Fevereiro 1999