2 de nov. de 2013


Contei meus anos e descobri 
que terei menos tempo para viver 
daqui para frente do que já vivi até agora. 

Sinto-me como aquela menina 
que ganhou uma bacia de jabuticabas. 
As primeiras, ela chupou displicente, 
mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. 
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. 
Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos 
tentando destruir quem eles admiram, 
cobiçando seus lugares, talentos e sorte. 

Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos. 
Não participarei de conferências que estabelecem prazos 
fixos para reverter a miséria do mundo. 

Não quero que me convidem para eventos de um 
fim-de-semana com a proposta de abalar o milênio. 

Já não tenho tempo para reuniões intermináveis 
para discutir estatutos, normas, procedimentos 
e regimentos internos. 

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, 
que, apesar da idade cronológica, são imaturos. 

Não quero ver os ponteiros do relógio avançando 
em reuniões de ‘confrontação' onde ‘tiramos fatos a limpo'. 

Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram 
pelo majestoso cargo de secretário-geral do coral. 

Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: 
‘As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'. 

Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, 
quero a essência, minha alma tem pressa!... 

Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado
de gente humana, muito humana; que sabe rir 
de seus tropeços, não se encanta com triunfos,
não se considera eleita antes da hora, não foge 
de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados,
e deseja tão-somente andar ao lado do que é justo. 

Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, 
desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes,
nunca será perda de tempo. 

O essencial faz a vida valer a pena. 

(RUBEM ALVES)