5 de out. de 2013

Síndrome de Faraó

O ego acha que nasceu para ser servido, ele se sente um verdadeiro Faraó, dono absoluto da verdade e acima do bem e do mal. Acredita que é o único certo em tudo e que o mundo não o compreende e é injusto com ele. Desde a infância, ele vai entendendo que as coisas não são como gostaria que fossem -por isso sente muito ressentimento, ódio e desejo de vingança por todos aqueles que não o satisfizeram e não o mimaram- e percebe que terá que encontrar outros meios para conseguir o que deseja. Isso o deixa muito revoltado, o "pequeno Faraó" fica indignado com o fato de não ser atendido prontamente e por seus desejos não serem "uma ordem", e irritado por ter que criar meios indiretos e dissimulados para obter o que deseja. Quanto mais não consegue obter o que deseja e quanto mais tem que criar jogos falsos para ter o que quer, tendo que agradar aos outros, que se fazer de bonzinho, ao invés de simplesmente fazer valer sua vontade de Faraó, mais ele vai se sentindo irado e, ao perceber a força dessa ira, ele entende que tem que esconder bem fundo dentro de si, toda essa força da revolta, para que ninguém perceba que, por trás da "carinha de anjo" doce e gentil, que pede delicadamente o que deseja para os outros, na verdade, existe um tirano exigente, revoltado e frustrado.

E assim a vida prossegue e o ego vai se adaptando às impossibilidades, mas nunca desiste de fazer de tudo, dissimuladamente, para conseguir o que quer. Mas sempre se sente frustrado e fracassado e isso, inevitavelmente, em algum momento da vida, o deixará muito desequilibrado. Em toda sua arrogância e desejo de poder, somente busca ajuda quando se vê diante de situações de vida sobre as quais não consegue ter nenhum domínio ou controle, quando as condições já se tornaram tão precárias ou perigosas, que ele, em uma atitude desesperada, faz "qualquer coisa" para se livrar do problema, da dor e do sofrimento ao qual está submetido. No seu desespero, mostra-se disposto a mudar, porém, a verdade é que ele não quer mudanças reais, ele sempre somente deseja resgatar o controle e o poder para rearranjar a vida e mudar as pessoas e condições à sua volta, para que ele se mantenha confortavelmente pseudo-seguro dentro da estrutura de vida que ele criou. Sendo assim, ele não aceita verdadeiramente os recursos que realmente irão ajudar, rejeita toda e qualquer forma, condição ou recurso que o coloque num "lugar" -condição energética- diferente do qual está habituado a estar.

O ego tem a necessidade de determinar os eventos e acredita que pode determinar que tipo de recursos e condições serão favoráveis para que ele saia da dor e do sofrimento, para o retorno de seu conforto. Quando então busca ajuda ou recurso externos para se recuperar, ele nunca se entrega de verdade para que um fluxo natural e espontâneo de "cura" possa se manifestar realmente, ele faz de tudo para se manter no controle e, ao mesmo tempo, se coloca numa posição de "coitado sofredor"-preguiçoso e acomodado-, que acha que o recurso externo -por exemplo, um terapeuta- deverá fazer todos os esforços para sua cura, enquanto a ele só cabe se colocar confortavelmente diante do terapeuta, como vítima, determinando veladamente o tipo de cura que deseja, impondo, energética e psiquicamente, que o terapeuta faça o que ele quer, como ele quer e que conquiste os resultados que ele entende como adequados. Ele se coloca como um Faraó, que acha que todos estão à sua disposição, para fazer tudo por ele e da forma como ele determina.

Ele entende que o terapeuta tem que curá-lo, tem que compreendê-lo em suas necessidades ignorantes e mesquinhas e tem que realizar milagres. Não há o mínimo interesse do ego em participar consciente e responsavelmente de seu processo de cura, ele quer que o libertem de seus males e sofrimentos, mas em nenhum momento está disposto a entrar em contato com a Verdade e com os conteúdos profundos de seu inconsciente, para assumir plena responsabilidade pelos eventos de sua vida. Isto traz um grande entrave no processo, pois ele resiste ao que é saudável e ideal para a alma, que pode conduzir naturalmente à cura, e impõe, com seu autoritarismo, o caminho que acha que é o ideal. Isto cria uma luta interna e um desespero ainda maior o acomete, ele passa a desacreditar tudo, se aferra às velhas crenças limitantes de que nada adianta, de que não existe um jeito de ser feliz. Em alguns casos, o ego se desequilibra tanto, que a única coisa que ele deseja é "morrer", ele não vê saída para seu sofrimento e usa esse desejo de morte até mesmo para ameaçar e manipular as pessoas com quem se relaciona, e usa até mesmo com o terapeuta, numa tentativa de manipulá-lo para ver se o terapeuta fica com pena (ou medo) dele e faça "algum milagre" e realize tudo o que o ego deseja. Ele fica obcecado pela intenção de ser curado do jeito que quer e até mesmo força verbalmente, lançando "palavras e indiretas" para que o terapeuta faça tudo por ele, ele acredita que pode dominar e/ou comprar tudo o que deseja e até mesmo a cura. 

Inconscientemente, a pessoa sente que está "pagando/comprando" a cura e que o terapeuta não está cumprindo com sua parte no "negócio" e isso leva o ego a sentir raiva do terapeuta, o que é natural em todo processo. Alguns realmente reagem com "ataques furiosos" contra o terapeuta, que podem ser apenas através de manifestações energéticas (que o terapeuta sente) ou até mesmo "ataques verbais explícitos". Quando há uma reação agressiva explicita, é melhor do que quando a pessoa tenta dissimular, fingindo-se de compreensiva e coitadinha, quando na verdade está cheia de ódio. O "Faraó tirano" foi exposto e está irritado porque o terapeuta ousou não fazer o que o ego queria e que imaginava que conseguiria ao tentar manipular o terapeuta, primeiro fazendo o bonzinho e o coitadinho e, depois, se isto não desse certo, com suas ameaças energéticas, veladas ou explícitas.

Quanto mais o terapeuta mantém-se íntegro, não se deixando manipular pelo ego (ele não tem que agradar o ego, pois trabalha em benefício da alma), e não lhe oferece as possiblidades desejadas, mais o ego "surta".
A proposta de qualquer processo terapêutico, focado na força da Verdade, é conduzir o ego a enxergar suas ilusões e a desconstrui-las. Quando ele é levado a este caminho da alma, inevitavelmente a força dominadora e prepotente do "Faraó" interno conduz o ego a estas explosões e esta é uma experiência que precisará ser vivida, com muita raiva, contrariedade, insatisfação e frustração -e muito medo-, para que esses impulsos faraônicos autodestrutivos, sejam vividos com consciência e aceitação, como para "exorcizar" essa força destrutiva. Se a pessoa aceitar e deixar fluir, mesmo que se sinta muito mal com isso, tudo se equilibrará de modo natural, justamente pela consciência que adquire sobre o que está lhe ocorrendo. Isto naturalmente levará a pessoa a um estado de mais humildade, sabedoria e discernimento, para finalmente firmar-se no caminho que a alma deseja trilhar.