CHEGUE NA PAZ

4 de jul. de 2012

Dominando o vício - ação - memória - desejo

Sempre que quero compreender o significado da admiração e da alegria, me vem à mente uma tarde bela e radiante em que fui dar um passeio com a filha do meu vizinho, uma menina de três anos de idade.

Embora nossa caminhada tenha sido apenas uma volta no quarteirão de um bairro residencial agradável, porém comum, ela durou quase uma hora. Praticamente tudo que vimos ou ouvimos foi uma alegre descoberta, e uma ocasião para uma animada conversa. Paramos repetidamente para olhar para os carros estacionados na rua. Minha jovem amiga falava animadamente sobre a cor, o tamanho e a forma dos carros, e até insistia em tocar cada um deles. Ela dedicava a mesma atenção extasiada às flores que cresciam nos gramados por onde passávamos e ao som distante da sirene de um carro do corpo de bombeiros. Quando um avião passou por cima de nós, paramos imediatamente e ficamos olhando para o céu, até o avião se tornar apenas um ponto distante. E é claro que também acenamos.

Havia algumas coisas importantes a serem aprendidas durante esse passeio em volta do quarteirão. Era evidente que o prazer da menina não se originava realmente de nenhuma das coisas que encontrávamos. As visões, os sons e os objetos eram apenas oportunidades para que ela expressasse um sentimento que já estava presente dentro dela. O sentimento não era proveniente de nada existente no mundo exterior; em vez disso, ele se projetava no mundo a partir do coração e da alma da menina. Para mim, alegria é a palavra que melhor descreve este estado de prazer gerado por si mesmo.

A maioria das pessoas, ou pelo menos a maioria dos adultos, não sente alegria sempre que dá um passeio ao redor do quarteirão, e existem boas razoes para isso. As crianças vivem em um mundo de pura contemplação. Para elas, as visões, os sons e objetos existem para que elas brinquem com eles ou para serem desfrutados, e não usados. Mas a vida de um adulto é dominada por responsabilidades. Ao dar um passeio em um dia de sol, vivenciamos o mundo que nos cerca como um pasticho de cores e texturas, enquanto nossa mente permanece concentrada nos problemas que nos parecem mais prementes no momento. Não importa o nome que queiramos dar a esse nível de experiência, claramente ele não é alegria.

Suponhamos, porém, que o adulto preocupado, ao caminhar com os olhos pregados na calçada, depare, de repente, com algo completamente inesperado. Uma nota de cem reais! O efeito é quase mágico! As preocupações que apareciam até esse momento, tão prementes, desaparecem de repente, pelo menos por um instante, diante desse impressionante golpe de sorte.

Se isso acontece com você, uma lista de coisas que você faria com anota de cem reais rapidamente desfilaria diante de seus olhos. Talvez você não encarasse esse fato como uma experiência que iria transformar sua vida, mas você quase certamente o consideraria algo muito bom, e seu estado de espírito sofreria uma mudança dramática. O que você sentiria? Estou certo de que uma palavra surge instantaneamente na mente. Você sentiria felicidade.

Achar uma nota de cem reais o faz feliz. O dinheiro é um motivo externo, e a felicidade um resultado interno. A alegria, ao contrário, pode ser descrita como felicidade sem nenhum motivo. A alegria é uma condição interior preexistente que determina como vivenciamos o mundo. A alegria é uma causa, ao passo que a felicidade é um efeito.

Não estou sugerindo que nós, adultos, devamos sempre tentar experimentar a vida como se fossemos crianças, mas devemos sempre permanecer conscientes do estado alegre que já foi nosso. Ele ainda está disponível para nós, embora seja frequentemente confundido com a experiência bastante diferente que eu chamei de felicidade. Esta última é algo que procuramos, que tentamos alcançar, talvez até lutemos por atingir. A felicidade é algo que tentamos comprar. A alegria é algo que somos.

As pessoas procuram evitar a dor e sentir prazer, e elas aceitarão o prazer em qualquer forma que ele pareça estar disponível. Se perdermos o contato com nossas fontes internas de alegria, se a felicidade que se origina fora de nós mesmos é a única que conhecemos, então essa é a experiência que iremos buscar para nós. Dependendo das nossas circunstâncias, esse empreendimento pode ser extremamente positivo e proveitoso. Lamentavelmente, ele também pode se manifestar como o vício em suas múltiplas formas.

Vou substituir a história da nota de cem reais por outras possibilidades. Suponhamos que em vez de encontrar dinheiro, um jovem que vive em um mundo de dor e violência depare com uma substância que o transporte instantaneamente para uma experiência de vida completamente diferente, mesmo que por um curto espaço de tempo. Imagine que outro jovem, atolado em sua carreira e sentindo a pressão financeira da vida familiar, se sinta mais relaxado se ficar acordado depois que sua esposa for dormir e beba uma cerveja, e se sinta ainda melhor se beber uma dúzia delas.

Uma terceira pessoa poderá encontrar esse tipo de escape na lista interminável de substâncias e comportamentos que levam ao vício. Seja qual for a experiência, se ela proporcionar prazer, o desejo de repeti-la naturalmente ocorrerá. Essa repetição é uma escolha, pelo menos inicialmente. Mais tarde, quando o vício já tiver realmente se instalado na vida da pessoa, ele se transforma em uma necessidade, e até mesmo em uma compulsão.

O Ayurveda identifica claramente os mecanismos psicológicos e fisiológicos que estivemos discutindo aqui. Sempre que praticamos uma ação, seja apanhar um lápis ou navegar nas corredeiras em um bote inflável, registramos essa ação internamente em um espectro de experiências que encerra uma dor intensa em uma das extremidades e um extremo prazer na outra.

Tão logo a ação é completada, ela continua a existir na nossa mente, bem como no nosso corpo, como uma lembrança rotulada de dor, ou prazer, com uma intensidade particular. Se a graduação da "dor" for suficientemente forte, faremos tudo que estiver ao nosso alcance para evitar repelir a ação. Mas se a ação proporcionou um grande prazer, tentaremos, com a mesma intensidade, praticar novamente essa ação.

A palavra sanscrítica, karma, significa ação. Ela pode se referir a uma atividade física ou a um processo mental, como um pensamento, ou, uma emoção. Cada ação contém as sementes da memória, que são chamadas de sanskara, em sânscrito, e as sementes do desejo, que são conhecidas como vasana.

A diferença entre esses dois conceitos é essencialmente que, um olha para trás, e o outro, para frente.

Se a memória de uma ação é prazerosa, ela engendra o desejo de praticar uma nova ação que seja pelo menos tão agradável quanto a original. Talvez a nova ação simplesmente duplique a anterior, ou talvez ela vise a obtenção de um prazer ainda maior.

A verdade essencial desse paradigma tem sido reconhecida até mesmo nas tradições filosóficas bem afastadas das indianas. O escritor francês Honoré de Balzac, observou que na vida de certas pessoas altamente emocionais, ele estava se referindo especificamente a jogadores e amantes, existe sempre uma experiência máxima que passa a dominar todas as ações futuras, enquanto o indivíduo se esforça por recriar a simulação extrema desse momento único. Talvez sem percebê-lo, Balzac estava oferecendo uma perfeita descrição do comportamento de vício, visto que o jogo e o sexo compulsivos são dois dos vícios mais bem documentados.

O Ayurveda enfatiza que depois de praticarmos uma ação especifica, ela é permanentemente gravada no nosso ser, junto com seus componentes igualmente duradouros da memória e do desejo. Para tudo que dizemos, fazemos, ou mesmo pensamos, uma tríade ação-memória-desejo é codificada em nossas células, e esse código simplesmente não pode ser apagado.

DEEPAK CHOPRA
DOMINANDO O VÍCIO - A SOLUÇÃO ESPIRITUAL.
EDITORA ROCCO LTDA.