CHEGUE NA PAZ

6 de jun. de 2010

O sexo


(Transcrevo aqui algumas anotações de minhas conversas com J., no período de 1982 a 1990) (Paulo Coelho)

- Por que o sexo se transformou em um tabu?
- Porque é um processo de alquimia: ele transforma em um gesto físico toda uma gigantesca manifestação de energia espiritual, chamada amor.
"Não podemos entender o sexo como o vemos hoje - uma simples resposta a alguns estímulos físicos. Na verdade, ele é muito mais que isso, e carrega consigo toda a carga cultural do homem e da humanidade. Cada vez que estamos diante de uma nova experiência, trazemos todas as nossas experiências passadas - boas ou más - e os conceitos que a civilização transformou em regras.
"Não pode ser assim, é preciso descondicionar o cérebro para que cada experiência sexual seja única, assim como cada experiência amorosa é única."
- Muito difícil.
- Muito. Mas é preciso tentar, porque a quase totalidade dos seres humanos necessita manter esta energia em movimento. Então, a primeira coisa é entender que ela é composta de dois extremos, que vão caminhar juntos durante todo o ato: relaxamento e tensão.
"Como colocar estes dois estados opostos em sintonia? Só existe uma maneira: através da entrega. Como entregar-se? Esquecendo os traumas do passado, e não tentando criar expectativas sobre o futuro - ou seja, o orgasmo. Como fazer isso? Muito simples: não ter medo de errar.
"Na verdade, na maioria das vezes, já entramos numa relação sexual pensando que tudo pode dar errado. Mesmo que fosse assim, que importância tem isso? Basta você estar consciente de que precisa dar o melhor de si, e o errado se transforma em certo.
"À medida que a busca do prazer é feita com entrega, com sinceridade, sentimos que o corpo vai ficando tenso como a corda de um arqueiro, mas a mente vai relaxando, como a flecha que se prepara para ser disparada. O cérebro já não governa o processo, que passa a ser guiado pelo coração. E o coração utiliza os cinco sentidos para mostrar-se ao outro.
- Os cinco sentidos?
- Tato, olfato, visão, audição, paladar, todos estão envolvidos. É engraçado que, na maioria das relações sexuais, as pessoas tentam usar apenas o tato e a visão: agindo assim, empobrecem a plenitude da experiência.
- Os dois parceiros precisam saber isso tudo?
- Se um parceiro se entrega por completo, ele quebra o bloqueio do outro, por mais forte que seja. Porque o ato da entrega significa: "eu confio em você". O outro, que a princípio está um pouco intimidado, querendo provar coisas que não estão em jogo, fica desarmado com a espontaneidade de tal atitude, e relaxa. Neste momento, a verdadeira energia sexual entra em jogo.
"E esta energia não está apenas nas partes que chamamos de "eróticas". Ela se espalha pelo corpo inteiro, por cada fio de cabelo, pedaço de pele. Cada milímetro está agora emanando uma luz diferente, que é reconhecida pelo outro corpo, e se combina com ele.
"Quando isso acontece, entramos numa espécie de ritual ancestral, que é uma oportunidade de transformação. Um ritual, seja ele qual for, exige que você esteja pronto para deixar-se conduzir a uma nova percepção do mundo. É essa vontade que faz com que o ritual tenha sentido. "
- Não é muito complicado tudo isso?
- É muito mais complicado fazer sexo como o vemos ser feito hoje, um simples ato mecânico, que provoca tensão durante o ato, e um vazio no final. Tudo o que é espiritual se manifesta de forma visível, tudo que é visível se transforma em energia espiritual, não creio que seja complicado entender isso. Afinal, já nascemos sabendo que possuímos um corpo e uma alma: porque não entender que o sexo também as possui? "
- Já que precisamos mudar nossa atitude com relação ao sexo, qual o primeiro passo?
- Eu já disse: a entrega. As pessoas pensam que, antes de se permitirem qualquer prazer, precisam resolver todos os seus problemas, e não é bem assim. As pessoas só resolvem os seus problemas se se permitirem ser elas mesmas.
"Existe, porém, uma coisa muito curiosa: no ato sexual somos extremamente generosos, e a maior preocupação é justamente com o parceiro. Pensamos que não vamos conseguir dar o prazer que ele merece - e a partir daí nosso prazer também diminui, ou desaparece por completo. "
- Não é um ato de amor, como você dizia?
- Depende. Na verdade, é um ato de culpa, de achar-se sempre aquém das expectativas dos outros. Numa situação como essa, a palavra "expectativa" precisa ser banida por completo. Se estamos dando o melhor de nós mesmos, não há por que se preocupar.
"É preciso ter consciência que, quando dois corpos se encontram, eles estão entrando juntos num território desconhecido. Transformar isso numa experiência cotidiana é perder a maravilha da aventura.
"Se, entretanto, nos deixamos guiar nesta viagem, terminaremos descobrindo horizontes que nunca podíamos imaginar que existissem. "
- Existe alguma chave?
- A primeira é: você não está sozinho. Se outra pessoa o ama, está sentindo as mesmas dúvidas, por mais segura que possa parecer.
"A segunda: abra a caixa secreta de suas fantasias, e não tenha medo de aceita-las. Não existe um padrão sexual, e você precisa encontrar o seu, respeitando apenas uma proibição: jamais fazer algo sem o consentimento do outro.
"A terceira: dê ao sagrado o sentido do sagrado. Para isso, é preciso ter a inocência de uma criança, e aprender a aceitar o milagre como uma benção. Seja criativo, purifique sua alma através de rituais que você mesmo inventa - como criar um espaço sagrado, fazer oferendas, aprender a rir junto com o outro, para quebrar as barreiras da inibição. Entenda que o que está fazendo é uma manifestação da energia de Deus.
"A quarta: explore o seu lado oposto. Se você é um homem, procure as vezes pensar e agir como uma mulher - e vice versa.
"A quinta: entenda que o orgasmo físico não é exatamente o único objetivo de uma relação sexual, mas uma consequência, que pode ou não acontecer. O prazer nada tem a ver com o orgasmo, mas com o encontro.
"A sexta: seja como um rio, fluindo entre duas margens opostas, como montanha e areia. De um lado está a tensão natural, do outro está o relaxamento completo.
"A sétima: identifique seus medos, e compartilhe com o seu parceiro.
"E, finalmente, a oitava: permita-se ter prazer. Assim como você está ansioso para dar, a outra pessoa também quer fazer o mesmo. Se, quando dois corpos se encontram, ambos querem dar e receber, os problemas desaparecem.
"Diz Alexander Lowen que o comportamento natural do ser humano é estar aberto à vida e ao amor. Entretanto, nossa cultura nos fez acreditar que não é assim, devemos estar fechados e desconfiados. Pensamos que, agindo desta maneira, não seremos feridos pelas surpresas da vida - mas na verdade, o que acontece é que não estamos aproveitando nada."

* extraído do site: www.guerreirodaluzonline.com.br