CHEGUE NA PAZ

16 de set. de 2013


"Para cultivar flores e erradicar ervas daninhas é preciso um conhecimento aprofundado, pois a diferença, nos primeiros estágios de crescimento, não é óbvia."
Não existe nenhum aspecto do homem a respeito do qual a humanidade seja tão indefinida, tão descuidada e contudo tão redundante quanto a natureza emocional. A maioria das pessoas trabalha suas emoções com vigor e de maneira incessante durante todo o dia, mas quantas dão a esse criado imperioso algum treinamento sistemático?
Sabemos que as emoções são de dois tipos a egocêntrica e aquela voltada para fora; a aquisitiva e a generosa; a pessoal e a universal. De certo modo, todos sabemos que a emoção egocêntrica e aquisitiva é nociva e causa infelicidade, e que a generosa e universalizada é expansiva e proporciona um modo de viver essencial.
Sabemos desses fatos, contudo somos profundamente ignorantes a respeito deles, porque o nosso assim chamado conhecimento é teórico e especulativo, e o verdadeiro conhecimento é fruto da experiência. Carecemos de experiência emocional consciente, e por essa razão não diferenciamos realmente entre as emoções egocêntricas e as emoções generosas.
Se você deseja cultivar flores e erradicar ervas daninhas do jardim, um dos elementos indispensáveis é um conhecimento aprofundado da aparência e dos hábitos de ambas, pois a diferença entre flores e ervas daninhas nos primeiros estágios de crescimento não é óbvia. O jardineiro experiente pode identificar as primeiras pequeninas folhas das ervas daninhas que deseja erradicar, mas seu conhecimento resulta quase que inteiramente da experiência e da observação. O conhecimento teórico sobre ervas daninhas seria inútil.
No jardim de nossas naturezas emocionais as ervas daninhas adquirem raízes profundas e gavinhas destrutivas, porque passam despercebidas. No final das contas, muito dano é causado à nossa natureza durante a dolorosa mas necessária erradicação das ervas daninhas, porque nos primeiros estágios, quando poderiam ser facilmente destruídas, nós não as reconhecemos.
A educação das emoções deve ser uma parte integrante e cuidadosamente pensada do esquema educacional geral, porque nada, a não ser a experiência prática, pode nos oferecer o conhecimento dos valores emocionais. E essa experiência, como todo treinamento elementar, é mais facilmente adquirida na juventude. Esse é um ideal de realização ainda muito distante, embora para ser realizado não exija mudanças radicais em nossa atual organização, nem gastos enormes de dinheiro. Temos todo o material necessário à mão; só falta enxergar o modo de usá-lo.
Na maioria das pessoas, o correto sentimento não é desenvolvido porque não e evocado. Deixemos que qualquer pessoa que não esteja convencida desse fato examine, pelo espaço de um dia ou uma semana, a tendência de suas próprias emoções hora após hora; que análise o estímulo emocional dos jornais diários; que observe cuidadosamente as reações emocionais não-censuradas de uma criança ou de um grupo de crianças. Ela irá descobrir que a maior parte da atividade humana é puramente egocêntrica, oscilando entre a ganância, o ciúme, a possessividade, a auto-estima, a ambição, o amor ao poder e o desejo de sensações banais.
Os sentimentos egocêntricos são normais na infância, e a repressão moral não os altera simplesmente os esconde. Eles podem ser alterados e diminuídos, se buscamos oferecer à criança muitas oportunidades de experimentar emoções mais elevadas, e desse modo evocar e fortalecer o senso de beleza e de retidão que existe em cada pessoa.
Mas de que modo, como pais e educadores, podemos prover essas oportunidades de experimentar emoções mais elevadas, e desse modo evocar e fortalecer o senso de beleza e de retidão que existe em cada pessoa.
Mas de que modo, como pais e educadores, podemos prover essas oportunidades aos nossos filhos?
Provavelmente as duas emoções mais facilmente estimuladas nas crianças são o amor à beleza e a admiração pelo heroísmo. A paciência, a exatidão, a resistência, a tolerância, a firmeza, são qualidades que vêm menos facilmente e têm menos sabor para os muitos jovens; por isso, não devem ser forçadas.

Amor pela beleza
A maioria das crianças tem em si um amor ardente e apaixonado pela beleza, mas esse amor nem sempre está na superfície. Frequentemente encontra-se bem abaixo do limiar da consciência. No entanto, um mínimo de estímulo produzirá uma torrente de expressão. Pegue uma dúzia de crianças entre dez e onze anos de idade. Toque um pequeno trecho melódico e peça a elas para agirem segundo o que quer que a música lhes sugira. Deixe passar algum tempo para que a inibição passe, e logo elas estarão formando grupos, fazendo teatro e assumindo posturas de uma beleza cativante.
Dê a essas mesmas crianças tintas, pincéis e grandes folhas de papel e peça que elas pintem quadros sugeridos por sua própria imaginação; ou deixe que elas componham peças musicais próprias. Os resultados provavelmente não serão tão tocantes quanto os obtidos pelo experimento com a postura corporal, porque as dificuldades técnicas são maiores; mesmo assim, não deixarão dúvidas quanto ao sentimento natural da criança pela beleza e o gosto por sua expressão.
A emoção causada pela ideia de heroísmo é natural na infância. Feitos heroicos e conquistas ao custo de um supremo sacrifício pessoal são um atrativo muito forte. Não apenas plantam sementes de auto sacrifício na consciência da criança, mas também a estimulam a seguir em frente e agir de maneira semelhante. Precisamos de novos livros de contos heroicos atuais, se quisermos inspirar a criança moderna por meio desse apelo.
Os últimos trinta anos têm sido um período de revolução na educação, assim como em vários outros aspectos da vida, e, como todas as revoluções, representam uma revolta contra a forma e o formalismo em relação à vida e à liberdade. Houve muitas revoluções semelhantes na história da educação, mas esta é fortalecida pelo fato de estar sincronizada com a revolução "analítica" na psicologia. A popularização de uma grande quantidade de material psicológico muito maldigerido deu um ímpeto sem precedentes às teorias do que é chamado de educação "livre".
Pais e professores devem enfrentar o fato de que é um fracasso a educação que falha em adaptar a criança ao ambiente no qual as circunstâncias irão obrigá-la a viver. Além disso, um dos hábitos emocionais mais danosos e restritivos que um ser humano pode contrair é possivelmente o do ressentimento e da rebelião obstinada, devidos à incapacidade de adaptação às circunstâncias.
O mundo de hoje está cheio de "nãos", alguns deles totalmente impessoais; muitos, porém, são resultado de temperamentos e idiossincrasias de outras pessoas. Faz parte de nossa educação aprender a aceitar essas limitações com pronta alegria e boa vontade, enquanto distinguimos entre a restrição racional e a irracional.
Uma criança que tenha sido abrigada da realidade do "não" foi privada de uma experiência emocional válida e importante. Deve ficar evidente que, enquanto, por um lado, uma educação baseada na negação da frustração é tão prejudicial como uma dieta de pão e água, por outro lado remover totalmente e por meios artificiais todo elemento de frustração da vida de uma criança é eliminar um fator saudável e necessário da existência humana.
Se a educação das emoções deve se tornar uma realidade prática, a necessidade imediata não é tanto prover material novo, mas sim ter uma percepção sempre crescente das potencialidades emocionais do material que existe. Atualmente nos preocupamos com o efeito disso e daquilo sobre o corpo físico da criança ou sobre sua mente. Precisamos nos  acostumar a considerar como fator importante o efeito que um método de criação ou um dispositivo educacional terá sobre sua natureza emocional.
Isso servirá para expandir sua vida emocional ou enfatizará uma atitude competitiva e egoísta nesse último caso, então o ganho aparente é ilusório. É bem provável qeu a criança aprenda fatos mais rapidamente se tiver o incentivo emocional de derrotar seus colegas de classe numa competição; mas o progresso individual assim obtido custa tanto à comunidade quanto custaria um curso de várias lições sobre como roubar, uma vez que a emoção competitiva é atualmente a maior ameaça à humanidade.
O treinamento das emoções é um fator pelo menos tão importante quanto o treinamento da mente, para o progresso humano; a atual crise mundial deve-se em grande parte à completa inadequação do desenvolvimento emocional.
Os homens têm sido treinados por meio de métodos que evocam e desenvolvem emoções egocêntricas e ambiciosas, e é a enorme força dessas emoções que realmente governa o mundo. Até que um outro tipo de sentimento seja desenvolvido em sua plena capacidade, todo pensamento de que somos capazes não irá nos ajudar, pois o reto pensar divorciado do reto sentir é nulo.
Portanto, é nossa a enorme responsabilidade de dar todos os passos possíveis para evocar e fortalecer o reto sentimento nas gerações futuras. Mas não conseguiremos realizar essa tarefa se deixarmos ao acaso nosso próprio desenvolvimento emocional. Nós, que atingimos a idade adulta, embora muito pouco tenhamos de adolescentes, ainda somos adolescentes em sentimento; não podemos, indefesos, buscar algo que esteja fora de nós para nos guiar rumo à maturidade emocional.
Devemos fazer uso de nossas mentes comparativamente maduras e divisar por nós mesmos métodos de auto treinamento adequados às nossas necessidades individuais. O material necessário está à nossa volta nas coisas comuns do dia-a-dia, e a aventura de aprender como usá-lo é uma aventura da qual ninguém precisa abdicar por falta de tempo e oportunidade. O tempo e a oportunidade estão aqui e agora para cada um de nós.
Por Geraldine Coster - escritora, autora de livros sobre Ioga e Psicologia Ocidental - Sophia Ciência Religião Filosogia