CHEGUE NA PAZ

15 de jul. de 2013

A iluminação espiritual


O que é iluminação espiritual

Como podemos fazer dela um fator ativo em nossas vidas? Pessoalmente, não conheço questão mais importante do que esta. Porém, o significado da experiência religiosa depende inteiramente de cada um. Algumas pessoas ficam contentes com a crença em um Deus personalizado, a obediência a certos rituais e a expectativa de uma salvação individual. Às vezes, o que sustenta a fé é a esperança de um novo emprego ou de um bom casamento. Este tipo de religiosidade corresponde a certo grau de evolução da alma humana. Não há maldade no processo.

Por outro lado, existe a possibilidade de um significado muito mais amplo na experiência religiosa. Quando atingimos certa maturidade interior, deixamos de lado o apego a formas externas, rituais, crenças cegas e outras maneiras de não assumir responsabilidade total sobre nossas vidas. Largando as muletas, desistindo de fugir da verdade, descobrimos um significado imenso e transformador na experiência religiosa. 

Percebemos que a nossa grande meta na vida é encontrar a nossa própria essência no mundo espiritual, enquanto agimos o mais corretamente possível no mundo concreto. É esse contato sem intermediários com a alma imortal que é conhecida como iluminação. De maneiras diferentes, mesmo tropeçando, todos caminhamos para ela.

A iluminação espiritual é uma das necessidades mais profundas do ser humano. Ao mesmo tempo, sabotamos nossa libertação interior porque ela não vem até nós do modo como esperamos.
Freqüentemente, a bênção da sabedoria surge misturada à dor, ao sacrifício ou à tragédia e, então, queremos fechar teimosamente os olhos para ela. Na busca da plenitude espiritual, nos agarramos às coisas que são conhecidas e agradáveis. Nem sempre temos coragem de colocar em prática o conselho dado por São João da Cruz, que recomendou o seguinte, a quem deseja vencer as paixões entrelaçadas de prazer, tristeza, medo e esperança:

"Procure sempre inclinar-se não ao mais fácil, mas ao mais difícil. Não ao mais saboroso, mas ao mais insípido. Não ao mais agradável, mas ao mais desagradável. Não ao descanso, mas ao trabalho. Não ao consolo, mas à desolação. Não ao mais, mas ao menos. Não ao mais alto e precioso, mas ao mais baixo e desprezível. Não a querer algo, e sim a nada querer".

Essas são palavras de sabedoria. O desapego é um dos caminhos da felicidade. A iluminação e a liberdade espiritual só surgem quando o egoísmo dentro de nós é voluntariamente abandonado - ou quando ele entra em colapso. Em geral, o ser humano não faz renúncias por vontade própria. Em conseqüência disso, o despertar interior muitas vezes só ocorre quando nossa vida atravessa uma grave tempestade. O indivíduo redescobre então em um instante a sua esquecida insignificância diante do cosmo. Quebra-se a couraça de vaidades, apegos e comodidade, e a luz divina renova a paisagem. A pessoa encara novamente a realidade total da vida como um processo precário e maravilhoso, que se renova a cada dia, mas sempre provisoriamente. A fragilidade da vida física e de todas as suas rotinas mostra-nos, então, que a vida é fundamentalmente espiritual e só secundariamente precária e material. Descobrimos que há uma vida maior interior, completamente independente da maré inconstante das incertezas humanas.

É perfeitamente natural -claro- rejeitar tudo que é desagradável. Podemos fazê-lo em tudo o que estiver ao nosso alcance. Mas essa liberdade deve respeitar os fatos. Quando nosso desejo é incapaz de mudar a realidade, insistir na rejeição da verdade só nos causa mais sofrimento psicológico. É sábio aceitar a vida como ela é,enquanto fazemos o melhor possível com cada coisa que ela coloca ao nosso alcance. Um pensador zen-budista escreveu:

"O nascimento, a velhice, a doença e a morte, assim como a felicidade e a desgraça, o ganho e a perda, o amor e o ódio, todos estes são instrumentos importantes para tecer o brocado da vida humana. Um brocado não pode ser tecido com a única cor da felicidade. Dados o tempo, o lugar e a ocasião, tudo "contém todas as cores".

Para quem está preocupado em fugir infantilmente da dor, a iluminação espiritual não ocorre. O êxtase tampouco se aproxima de quem nega o mundo material e busca refugiar-se em esferas "puramente espirituais". A libertação está além das dualidades e pares de opostos. Ela não se apega nem rejeita o processo material da vida, mas se relaciona com ele através da ação altruísta. Nesse sentido, o êxtase é um vazio. Gautama Buda descreveu assim o nirvana e a iluminação:

"Há uma condição, irmãos, em que não existe terra, nem água, nem fogo, nem ar, nem a esfera do espaço infinito, nem a esfera da consciência infinita, nem a esfera do vazio, nem a esfera além da percepção e não-percepção: em que não há "este mundo" nem o "mundo do além"; em que não há Lua nem Sol. Essa condição, irmãos, não é nem uma vinda nem uma ida, não é uma imobilidade, nem uma queda, nem uma elevação; mas ela não tem fixidez, não tem mobilidade, não tem base. Essa condição é o fim do sofrimento".

Essas misteriosas palavras de Buda são reforçadas pelo testemunho do estudioso Chang-Chen-Chi:

"A iluminação é a experiência direta de captar e desenvolver a essência da mente em sua totalidade. Essa experiência ilumina e, no entanto, é vazia, serena e dinâmica. É transcendente e estável. É livre e abarca o todo. As experiências de iluminação são uma e são muitas. São uma porque são idênticas em essência; muitas, porque diferem em profundidade, claridade e eficácia".

Não é fácil lidar na vida prática com certas experiências de iluminação. As imagens e sensações que ela desperta no cérebro físico e no sistema emocional podem ser enganosas e desestruturadoras.O processo de adaptação da vida diária da pessoa em função das novas percepções espirituais deve ser encaminhado com cautela e gradualmente. A energia da transcendência pode ser um furacão, e deve ser compensada pelo bom senso, pela paciência, tolerância e perseverança. A decisão de mudar nossa vida no sentido espiritual deve ser testada na prática ao longo do tempo. A luz deve aumentar aos poucos em nossa vida, para que não fiquemos ofuscados.

Há ocasiões em que uma crise pessoal traz a iluminação e produz uma visão mais ampla da vida. Mas em outros casos é a iluminação que traz uma crise ou mudança súbita. Milhares de pessoas não conseguem administrar corretamente o surgimento da energia do sagrado em suas vidas. Muitas reprimem o contato com a luz espiritual por medo do desconhecido. Outras fazem isso porque pensam que são incapazes de mudar suas vidas e ser coerentes com o ideal que a intuição mostra. Não há progresso sem um preço a pagar por ele, e cada porção de sabedoria que alcançamos estabelece para nós a obrigação de renunciar a algo mais do mundo não-espiritual. Quando não ocorre a porção correspondente de renúncia, a sabedoria conquistada é esquecida ou se transforma em palavras vazias, até que haja a vivência necessária. Porque a iluminação é um barco frágil. Se o remador não for hábil, a luz naufraga nas ondas do mar de emoções e pensamentos.

por Helena Gerenstadt