CHEGUE NA PAZ

17 de jul. de 2012


Céu e inferno íntimos

Conta-se que, certo dia, um samurai, grande e forte, conhecido pela sua índole
irascível, foi procurar um sábio monge em busca de respostas para suas dúvidas.

– Monge, disse o samurai com desejo sincero de aprender, 
ensina-me sobre o céu e o inferno.

O monge, de pequena estatura e muito franzino, olhou para o bravo guerreiro e,
simulando desprezo, lhe disse:

– Eu não poderia ensinar-lhe coisa alguma, você está imundo. Seu mau cheiro
é insuportável. Além do que, a lâmina da sua espada está enferrujada. Você
é uma vergonha para a sua classe.

O samurai ficou transtornado. O sangue lhe subiu à cabeça e ele não conseguiu
dizer nenhuma palavra, tamanha era sua raiva. Com os olhos crispados, empunhou
a espada, ergueu-a sobre a cabeça e se preparou para decapitar o monge.

– “Aí começa o inferno”, disse-lhe o sábio mansamente.

O samurai ficou imóvel. A sabedoria daquele pequeno homem o
impressionara. Afinal, arriscarra a própria vida para lhe ensinar sobre o
inferno. O ferroz guerreiro abaixou lentamente a espada e agradeceu ao monge
pelo valioso ensinamento. O velho sábio continuou em silêncio.

Passado algum tempo o samurai, já com o ânimo pacificado, pediu humildemente
ao monge que lhe perdoasse o gesto infeliz.

Percebendo que seu pedido era sincero, o monge, então, lhe falou:
 “Aí começa o céu”.

Para nós, resta a importante lição sobre o céu e o inferno que podemos
construir em nosso próprio íntimo. Tanto o céu quanto o inferno, são estados
de ânimo, que nós mesmos escolhemos em nosso dia-a-dia. A cada instante
somos mobilizados a tomar decisões que definirão o início do céu ou o começo
do inferno. É como se todos fôssemos portadores de uma caixa invisível,
onde houvesse ferramentas e materiais de primeiros socorros. Diante de uma
situação inesperada, podemos abri-la e lançar mão de qualquer dos objetos
disponíveis em seu interior.

Assim, quando alguém nos ofende, podemos empunhar o martelo da ira ou
usar o bálsamo da tolerância. Atacados pela calúnia, podemos usar a foice
do revide ou a pomada da autoconfiança. Quando a injúria bater em nossa
porta, podemos usar o aguilhão da vingança ou o óleo do perdão. Diante de
enfermidade inesperada, podemos lançar mão do ácido corrosivo da revolta ou
empunhar o escudo da confiança.

Enfim, surpreendidos pelas mais diversas e infelizes situações, poderemos
sempre optar por abrir fossos de incompreensão ou estender a ponte do diálogo
que nos possibilite uma solução feliz.

A decisão depende sempre de nós mesmos. Somente de nossa própria vontade
decorrerá o nosso estado de ânimo. Portanto, criar portais para o céu ou
cavar abismos para o inferno em nosso íntimo, é algo que não depende de
ninguém, pois somos os únicos responsáveis.